One shot

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Há quem diga que as estrelas significam um futuro próspero e sorte. Há quem diga que significam amigos que te ajudarão. Nunca me importei com o significado das coisas, mas acho isso bonito. Amigos e auxílio. Era muito mais do que poderia pedir, e ainda assim, estava recebendo.

— E então? — Chamou ele.

Encarei Felix rapidamente. O cabelo pintado de loiro caía sobre seus olhos, a boca vermelha tinha marcas de mordida. Não tinha como impedi-lo, sempre que esfriava, seus lábios rachavam, e o garoto arrancava todas as pelinhas que conseguia. O moletom preto contrastava com seu cabelo.

Eu vestia quase a mesma coisa, só que minha blusa era amarela com donuts, aquele modelo que ficou bem popular no kpop em 2015. Estava gasta e os donuts deixavam de ser cor-de-rosa para se tornarem bege. Tinha bolinhas em todo lugar.

— Eu vejo... algo azul.

— Hm, o céu? Muito óbvio.

— Não. Tenta de novo.

Felix balançou as pernas no ar. Estávamos sentados na beirada do prédio, no quarto e último andar. Um prédio baixo, em que a cobertura era proibida para visitantes. É, o que fazíamos era contra as regras do alojamento, mas depois de tantos meses, aprendemos a não dar a mínima para as broncas. Não poderiam nos expulsar, não quando nossas famílias contribuíam tanto com o local.

Eu e Felix éramos melhores amigos há pelo menos dez anos. E, não preciso negar, estava a fim dele há um. Pelo menos. Desconfiava de que ele sentia o mesmo, mas não tinha coragem de perguntar - e nem de me declarar. Então seguíamos com joguinhos, flertes e brincadeiras, e eu sentia pouco a pouco meu coração se apertar. Tinha medo de que Felix estivesse só brincando comigo, soubesse dos meus sentimentos e estivesse apenas esperando o momento certo para estragar minha reputação.

— Mirae? — Ele me beliscou.

— Ai, Felix! Que foi?

— Você não me ouviu. Seus tênis.

— Quê? — Lembrei do jogo — Ah, é. Era isso.

— Muito fácil. Eu vejo algo... redondo.

Olhei em volta, para o trânsito tranquilo, para as crianças brincando na rua. Para as vózinhas em seus jardins, batendo tapetes ou aguando plantas.

— A bola deles? — Apontei para o grupo de crianças jogando vôlei no meio da rua.

— Não.

— A... o tapete daquela halmeuni.

— Também não.

— Aigoo.

Encarei o céu, jogando o corpo para trás até deitar no concreto. Ele fez o mesmo.

— Ah, a lua!

— Aí, boa. Vai, sua vez.

— Tá esfriando.

— Troca de moletom comigo.

— Pra quê?

— O meu é mais novo, logo mais quente.

Fiz o que ele disse, meus braços se arrepiando rapidamente com o vento. Felix tinha uma camiseta preta com um patinho desenhado. Fofo, tudo que ele usava era fofo. A blusa dele realmente era mais quente que a minha.

— Por que você ainda usa essa porcaria? Sério, nem esquenta mais! E não fala que é bonita, esse moletom tá todo capenga.

— Apego emocional.

— É? Quem te deu isso?

— O Jeongin.

— Meu irmão?! Sério?

Dei de ombros, cobrindo os olhos com a dobra do cotovelo. O sol se punha ao longe, e a lua se erguia majestosa sobre nós. Ouvi Felix se mexer e arrepiei com seu sussurro em minha orelha.

— Sabia que esse moletom era meu, né?

— E-era? — Mantive o braço sobre os olhos para disfarçar as bochechas que ficavam vermelhas — Não, eu não sabia.

— Faz uns anos... achei que tinha perdido até te ver com ele. Mas não tem problema, fica bem em você.

Tirei o braço de cima do rosto. Felix, deitado ao meu lado, estava apoiado no cotovelo, seu rosto pairando a poucos centímetros de mim. Engoli em seco, sem saber para onde olhar.

— Vamos. O que vê?

— Eu... eu vejo estrelas.

— Estrelas...

— Uma linda constelação.

— Uhum...

O canto dos lábios dele subiu, um sorrisinho pretensioso e arrogante. Ele estava brincando comigo, eu tinha certeza. E se eu cedesse, ouviria provocações até o fim da vida.

— Eu vejo... e-eu...

— Minhas sardas.

— É... isso...

— Acha que se parecem com estrelas?

— Sim, acho. É lindo.

Droga. Eu tinha mesmo dito aquilo?! Pelo sorriso enorme que tomou o rosto do meu amigo, sim, eu disse. Que merda, Mirae! Senti o ímpeto de cobrir o rosto com as mãos, mas não deu tempo.

— Seu rosto tá todo vermelho — Felix colocou a mão livre na minha bochecha, deslizando lentamente uma perna por cima do meu corpo, até estar praticamente deitado em cima de mim — Eu gosto disso.

— Você é mais pesado do que parece.

— E você é ainda mais atraente quando está com vergonha.

— O quê?!

— Sabe, Mirae... somos amigos há muito tempo. Muito mesmo. Eu... já faz um tempo que me sinto assim, mas não consigo uma oportunidade de te falar. Não até agora.

Engoli em seco de novo, buscando qualquer lugar que não seu rosto para encarar. Mas não tinha para onde olhar, seu cabelo escondia a lua, sua mão mantinha meu rosto no lugar.

— Do que está falando?

— Eu gosto de você. Muito. No segundo sentido, mais que amigos. Gosto de verdade. Eu amo quando você canta, quando sai pra correr comigo, quando vamos ao shopping e mesmo que eu perca metade das moedas naquela máquina de garra idiota... vale a pena, porque você sorri tão bonito com suas pelúcias...

Silêncio. Seguiu-se o silêncio mais desconfortável da minha vida. O que eu devia falar? Felix tinha acabado de se declarar, e eu estava em choque.

— Desculpa, não quis te assustar. Nunca quis estragar nossa amizade. Só... não podia guardar mais.

— Eu fico feliz que tenha me contado... tinha muito medo de que não sentisse o mesmo por mim.

— Então... esse tempo todo... estivemos jogando um com o outro e... no fim estamos...

— É, parece que sim.

— Oh, que sorte a minha.

Seu sorriso era mais brilhante do que qualquer estrela que estivesse no céu sobre nós. Seu cabelo era mais macio do que as nuvens supostamente seriam. Seu beijo era mais quente do que seu moletom que cobria meu corpo, seu toque mais delicado que pétalas de flores. Em seu rosto, uma linda constelação, estrelas espalhadas de ponta a ponta, que eu sentia a necessidade de beijar. Uma por uma.

ConstelaçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora