Capítulo 3 - Entre a lógica e o sentido

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Lena é bonita, mas não chega a ser mulher de parar o trânsito. Ela costuma atrair homens completamente diferentes de Guto, não só no estilo, na aparência ou na personalidade, mas no nível intelectual. A propósito, essas duas sentenças (nível e intelectual) poderiam se aplicar perfeitamente no discurso de Guto. "Nível" é um termo que ele costuma usar com frequência e que sempre faz com que Lena revire os olhos de tédio, "intelectual" então, nem se fala. Quando escuta alguém usar essa expressão, imagina um grupo de homens vestindo terno e gravada, todos com óculos e cara blasé, discorrendo sobre o Teorema de Pitágoras, que ela não faz ideia do que se trata, mas gravou esse nome na memória quando teve aulas de matemática - e não aprendeu nada além do básico - nos tempos do colégio.

Lena, ao contrário do que tudo indica (seu estilo de vida, seus modos, seu jeito) é uma mulher muito inteligente, pouco sofisticada, é verdade, mas de uma natureza sensível e questionadora, que sempre a leva a se aprofundar em tudo aquilo que se interessa verdadeiramente, muito mais pela vontade de entender do que propriamente para aprender.

Guto, diferente de Lena, é bem mais óbvio, mas não menos interessante. Bom, talvez seja uma pessoa menos interessante, sim. Mas não à primeira vista. Pode se dizer que é um sujeito culto, tem um vocabulário razoavelmente vasto e como sabe ser bem persuasivo quando tenta convencer alguém de que o seu ponto de vista é o mais coerente, acaba passando a impressão de ser alguém extremamente inteligente e seguro quando fala a respeito de qualquer coisa. Mas o que sobra de lógica na maneira como Guto enxerga a vida, falta de sensibilidade.

Lena não está nem um pouco interessada na lógica das coisas, e esse desinteresse todo não tem a ver com preguiça, tampouco com rebeldia. Nada disso. A rebeldia de Lena costuma ficar mais concentrada ali no couro cabeludo, não propriamente no cérebro. É que ela precisa se sentir tocada de algum jeito, entrar em contato.

Se você disser pra ela que os quadros do Picasso são divinos e ela olhar e não sentir nada, não achar nem bonito, nem curioso nem mesmo esquisito, ou seja, se eles não disserem nada pra ela, ela os desprezará, não importando o quão consagrado Picasso seja. Agora, se gostar, ela vai querer conhecer todas as obras, vai atrás de exposições, vai procurar saber como era a vida que ele levava e como como seu processo criativo acontecia.

É basicamente assim que Lena funciona. O interesse é sempre secundário. Primeiro sentir, depois entender. Primeiro a emoção, depois a razão.

Talvez por isso, com seus 32 anos de idade, esteja até hoje meio perdida. Aos vinte e poucos se formou em publicidade, chegou a trabalhar em duas agências, mas não conseguiu encontrar sentido no seu trabalho, especialmente depois que começou a pensar na utilidade dele na vida das pessoas. Com o passar do tempo ela começou a achar que tudo o que fazia era trabalhar para convencer as pessoas a comprarem coisas que não precisam em nome de um capitalismo cada vez mais desenfreado e irracional. O problema foi quando se convenceu de que fazia a mesma coisa com seu próprio salário.

"(...) Os anúncios nos fazem comprar carros e roupas, trabalhar em empregos que odiamos para comprar as porcarias que não precisamos. Somos uma geração sem peso na história. Sem propósito ou lugar.

Você não tem outras coisas para fazer? A sua vida é tão vazia que você honestamente não consegue pensar numa maneira melhor de vivê-la? Ou você fica tão impressionado com a autoridade daqueles que a exercem sobre você? Você lê tudo o que deveria ler? Você pensa tudo o que deveria pensar? Compra tudo o que lhe dizem pra comprar? Saia do seu apartamento. Encontre alguém do sexo oposto. Pare de comprar tanto e se masturbar tanto. Peça demissão. Comece a brigar. Prove que está vivo. Se você não fizer valer pelo seu lado humano, você se tornará apenas mais um número. Você foi avisado."

(Chuck Palahniuk - Clube da Luta)

Embora Lena não tenha muitas coisas em comum com o personagem que disse isso, Tyler Durden, do Palahniuk, nesse aspeto eles pensam exatamente do mesmo jeito. E ainda que ela não tenha recebido esse aviso diretamente do Tyler ou de qualquer outro personagem ou autor de livro, ela costuma estar atenta aos avisos que a vida dá.

Não demorou muito até que Lena pedisse demissão e acabasse encontrando mais sentido em trabalhar num bar, onde, apesar de ganhar menos do que antes (mas não tão abaixo da renda que tinha como publicitária), pode viver plenamente sua vida notívaga e, principalmente, onde não precisa convencer ninguém a consumir nada, sobretudo bebidas alcoólicas.

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