Penhasco

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É estranho achar que estamos bem e ficar se culpando , fazer coisas ou deixar de fazer por medo , de ser alguém que você não é , as vezes me pergunt.....De novo isso ?

Os mesmos problemas de sempre.

Os mesmos pensamentos.

Eu estava me matando aos poucos.... Me destruindo de dentro pra fora .

Como eu poderia resolver isso ?

"Dê tempo ao tempo Sally "

" O que ?"

" O tempo , ele não vai apagar aquilo que aconteceu , talvez você nunca esqueça , talvez você vá continuar lembrando disso pra sempre, mas dê tempo ao tempo , ele cura feridas que você mesma nem imaginava que tinha , te ensina a resolver problemas que naquele momento pareciam  não ter soluções..."

" Mas o que eu faço agora? , Como eu vou resolver tudo isso ? , Como eu vou me salvar de mim mesma ? , Um monstro , um ser tão repugnante que deveria ser enjaulada e isolada do resto da sociedade."

Sally ....

Minha pequena Sally ...

"Malditos devoradores de felicidade , aqueles que aos poucos sugam todo tipo de sentimento positivo , apenas por diversão "

Era o que meu pai dizia toda vez que eu me queixava de algo , antes eu não entendia , achava que ele estava apenas dizendo asneiras , mas hoje entendo que ele estava falando de si mesmo .

Mas como assim ?

Que bagunça , que confusão...

As memórias estavam misturadas como um quebra cabeça que acabara de sair da caixa , necessitado de ser encontrada , peça a peça , encaixadas e assim , uma imagem se formaria  e tudo faria sentido .

•Dias depois da morte de mamãe •

Narcisismo . 

A necessidade de um pai que PRECISA da devoção de sua pequena filha .

" Eu sei que você vai fazer isso , porque você me ama Sally "

"Vá em frente , eu sei que você não me decepcionaria "

Cresci as custas da necessidade de uma aprovação paterna , caso fizesse errado ficaria dias sem trocar uma palavra com meu pai , por capricho dele. 

Uma pequena e indefesa criança , que teve que ser moldada pra seguir cegamente cada palavra , cada ordem , tudo a troca de uma falsa expectativa de ser amada .

" Papai , você acha minha voz irritante?"

" Sim "

A conversa acabou por ali , já não falava mais , uma criança que a meses atrás falava pelos cotovelos , já não conversava , não dizia o que sentia , nem o que a incomodava.

05:00

Em um canto escuro do pequeno quarto de Sally a garotinha se encontrava encolhida , soluçando enquanto as lágrimas rolavam por seu delicado rostinho

" Não fui eu que fiz isso com a mamãe , eu amo ela , me desculpa mamãe , me desculpa."

Olhos vermelhos me observavam do lado de fora da janela , mas eu não havia notado sua presença .

Tomada por tamanha dor , a menina se levanta , tonta de tanto chorar , as perninhas tremiam e seria um grande desafio se manter de pé 

" Ela não vai te desculpar , você a matou , lide com isso garota estúpida "

Um garoto pálido como um defunto , os cabelos negros escondiam parte do rosto , mas podia ver seus olhos vermelhos firmes em mim , me julgando.

"Você deveria ir embora "

"NÃO, eu não vou , eu preciso cuidar do meu papai "

"Ele não te quer aqui , ele não te ama , vai embora "

"É mentira "
Dizia mais pra mim , enquanto soluçava , tentava me convencer que tudo aquilo não era minha culpa.

" Você matou ela , ela morreu por sua culpa ,ela se matou de desgosto, de ter uma filha tão inútil "

Era Verdade , tudo aquilo era verdade, mamãe não aguentava de desgosto , não aguentava ter uma filha tão burra , tão incapaz , tão feia como eu .

Já não aguentava ficar ali , tudo era pesado demais , o ar , meus pulmões não faziam mais seu trabalho , desatei em uma corrida sem pausa , corria pelas ruas sem uma direção , sem uma casa , sem um abraço quentinho , sem ninguém , até que tudo ficará escuro .

•Dias atuais•

"ACORDA"
Alguém gritava em meu ouvido

" Mas que ..."

Duas imagens me observavam , tinha medo de piscar  e tudo sumir , e eu ficaria sozinha novamente , mas não , eles continuavam ali , parados me observando .

Horas se passaram e aqueles dois não sumiam , me seguiam por onde eu ia , como duas sombras , nunca me deixavam sozinha , mas não trocavam uma palavra sequer .

" Tá legal , chega , parem de me seguir , me deixem em paz , eu quero ficar sozinha . "

Não era verdade.

"Você sabe que precisa vir com a gente ,agora !, por que você não aceita e vem ?"

O garoto de branco dizia enquanto brincava com o cordão de sua blusa

" Ir pra onde ? , Eu já disse que quero que vocês me deixem em paz "

"O garota burra , aceita logo vir com a gente , vai ficar vagando sem rumo por aí ? Igual uma alma penada ? "

" Como uma alma penada ? "
O que tinha de errado comigo ?

Não sentia frio
Não sentia fome
Não sentia sede

Eu estava morta ?

"Sim "

" Não "

Mais confusão

"Você está por um fio , você se jogou da ponte naquela noite Sally , você tentou se matar , e tá conseguindo, venha com a gente , vamos arrumar isso "

Eu realmente quero arrumar isso ?

Eu poderia apenas sentar em alguma praça qualquer e esperar o beijo da morte , não seria tão ruim não é ? Eu não tenho nada, não tenho ninguém , não tenho nem mais emprego e logo , logo , nem mais tempo .

" Dê tempo ao tempo "
Eu disse a mim mesma .

O garoto de branco estendia sua mão para mim , e naquele momento eu entendi que deveria ir com ele , que ali era o tempo de entender tudo , de arrumar tudo  , que o que meu pai me dizia não era apenas dar tempo ao tempo e ficar parado esperando , era fazer algo para mudar e assim o tempo seria generoso comigo . 

E assim o fiz , quando estendi minha mão e finalmente o toquei , o cenário havia mudado  , eu estava em uma sala branca , tudo parecia limpo e organizado , havia algumas molduras na parede com fotos de pessoas felizes , chegando mais perto pude ver que eram minhas fotos , faziam uma trilha na parede como se mostrasse minha evolução , seguia pela parede enquanto as fotos iam mudando , eu estava crescendo , saindo de uma adorável menininha das bochechas vermelhas de saúde , pra alguém triste , feia , magra , anêmica , conforme andava olhando os quadros percebia as paredes mudando de cor , de branco e limpo para pretas e sujas , um líquido preto e pegajoso escorria de uma moldura quebrada , chegando mais perto via uma foto , eu como todas as outras , mas agora não sorria mais , chorava como um bebê , e o garoto de vestes pretas me tocava com um sorriso perverso , encostei na foto com curiosidade , por que eu estava chorando tanto? , Aos poucos uma luz fraca piscava no fim do corredor , quando aquela sala havia se transformado naquilo ? , Sem alternativa segui até o fim , aos poucos estava entrando em casa um tanto quanto familiar , minha casa de infância , onde vivi grande parte com a minha mãe , pai e irmão , éramos felizes , vivíamos bem , bem....bem ...... Bem ............

Uma porta , trancada .....
Outra .... Trancada .....
Outra, risadas podiam ser escutadas do lado de dentro , corri até ela , abri e tudo clareou .

Continua.

Shadow boyOnde histórias criam vida. Descubra agora