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Quinta-feira

É tudo minha culpa, eu quem comecei isso.

Até eu criar consciência meus pais não me colocavam em situações que eu não queria, por exemplo, com dois anos eu ia banhar de piscina mas a água estava gelada, então eu chorava me recusando a entrar. Meus pais sabiam que se tornaria quente, mesmo assim não me mantinham lá.

Mas com cinco anos eu desaprendi a recusar qualquer coisa para qualquer pessoa, de primeira eles não tomaram vantagens, mas não demorou muito para que o fizessem. 

A primeira vez que me chamaram de Miss Excelência eu tinha 8 anos e estava no terceiro ano, não foi um elogio, mas eu era inocente demais para distinguir. Contei para meus pais e eles repassaram a informação. Mesmo 10 anos depois eu continuava a Miss Excelência. 

Há dois anos eu venho sentindo coisas estranhas como impaciência; apesar de me esforçar muito para tudo ser do jeito certo, eu não sentia muito isso, pois ficava contente eu ver todos felizes com os resultados. Mas com 16 anos eu comecei a perceber que minhas conquistas não eram minhas, afinal eu não me importava com nenhum concurso de matemática, ou minhas apresentações de balé.  

Com 17 anos eu quase gritei com meus pais pela primeira vez quando eles me forçaram a passar cinco dias fora da cidade em um acampamento de jovens da igreja, e foi nesse dia que percebi que não estava feliz com minha própria vida, mas eu os amo demais para desapontá-los. 

Até terça-feira. 

Noites sempre parecem vazias e tristes, mas a de ontem foi a pior de todas, a consciência de que eu estava infeliz e sendo usada bateu novamente e não havia Roberta ou Celina para me segurararem quando eu chorei de novo.

Eu estava sozinha. Não era novidade, pois assumo que durante todo esse tempo eu me senti sozinha, pelo menos até dividir o quarto com Roberta e ela estar em todos meus chiliques de menina sofrida.

Acordei chocada com meu drama da noite anterior, mas as mensagens do meu pai falando que Miguel queria me ver no sábado para acertamos datas, buffet e convidados me mostrou que eu tinha razão em pensar aquilo tudo. Meus pais não me levam a sério, nem quando eu saio chorando. 

Outra pessoa que não me leva a sério é Estevão. Estou esperando sua mensagem há um dia inteiro e nada dela. A culpa não é dele, é minha de confiar no homem que é visto com mais de duas mulheres no mesmo dia. 

Depois que vesti o vestido longo laranja e calcei minha rasteirinha fui alisar o cabelo. Sim, eu gostei dele natural, mas minha franja não colaborou, ficava encolhida demais e as pessoas iriam achar estranhas. 

Meu celular vibrou na cama assim que tirei a chapinha da tomada. Ignorei pensando que era meus pais de novo. Vai que eles diziam que não precisava da minha presença no cartório e eu já estava casada com o tal de Miguel.

Mas começou a vibrar initerruptamente. 

Para minha surpresa era um número desconhecido. As palavras como nadar pelado e madrugar na rua me fizeram pensar que é Estevão. Eu não sei como ele conseguiu meu WhatsApp, mas ele conseguiu e agora eu tenho uma lista de coisas para fazer que meus pais nunca aprovariam mas soam divertidas.

E eu até já sei qual irei fazer primeiro, e vai ser hoje. Cai muito bem para o dia, já que estou zero animada para lidar  com professores e corpos humanos.

Pegando apenas meu celular e a carteira me preparo para sair do quarto, assim que abro a porta meu corpo se colide com outro, um corpo forte e vestido por uma camiseta preta. 

— Estevão? — fiquei confusa ao vê-lo parado na porta do meu quarto. Ele se afastou de mim e sorriu. 

— Oi, Vitória. Vim conferir se você recebeu minha lista e se gostou dela. 

Liberdade para Miss Excelência.Onde histórias criam vida. Descubra agora