Cicatriz.

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O som estridente do meu alarme quase toda manhã me convence que o despertar para um novo dia vale sempre à pena. Quando se é interna de medicina, deve-se estar preparada para qualquer tipo de surpresa, ou melhor, emergência. No Hospital em que eu trabalho tem sido assim, pelo menos, uma correria sem precedentes. Ontem à noite foi incrivelmente badalada e o melhor: Nem a ressaca foi capaz de dobrar meus sentidos! Coquetel de frutas sem álcool, vários, e mesmo assim, pude distribuir minha melhor performance naturalmente bêbada junto aos meus amigos. O auge dos meus 27 anos está sendo realmente...impensável. 5:30 a.m, levanto, desligo o alarme lentamente. Meus pés gelados tocam o chão, escuto um badalar de xícaras no andar debaixo. Sem dúvidas, é Gisele. Seu jeito apressado e falante não respeita nem as primeiras horas calmas da manhã. Seu estilo virginiano domina esse apartamento de uma forma quase autoritária, se não fosse suas presepadas.

Explico: Gisele é minha melhor amiga. Entrou no internato junto comigo, estamos a um passo de enlouquecer, juntas. Desenvolvemos o pacto de toda manhã ir correr antes do plantão, o que eu não imaginava era que esse furacão estranhamente organizado realmente levasse a sério essa história de correr.

-Bom dia, enjoada - Digo passando a mão nos meus cabelos cacheados, parando em frente ao balcão.

-Mariana Bernardo, você está meia hora atrasada e me perdeu! Tenho uma emergência para resolver no hospital e vou ter que furar nossa corridinha hoje.

-Que emergência, Gisele? Desde quando o setor de Psicologia te arranca de casa assim, nessas pressas? Não é nem médic... - Digo com um tom de desdém brincalhão. Eu sempre admirei Gisele, tudo que ela faz carrega um toque de cuidado e semi-perfeição que só me restava debochar de tanto rigor. Por eu ser médica, brincava de infernizar sua profissão, o que sempre me rendeu boas reviradas de olhos.

-Você nem começa, Bernardo! Hoje vamos receber 5 estagiários de outro estado. Tô empolgada! - Diz a mulher preparando panquecas de banana com aveia, ou qualquer coisa saudável muito similar a isso.

-Empolgada pra fazer eles pegarem cafezinho pra você, né? Te conheço, você vai dar horas de palestrinha e atribuir tarefas que não tem nada a ver com Psicologia para esses 5 pobres coitados - Digo rindo, pegando uma xícara de café pra mim.

-Me respeita, idiota! A única coisa ruim é minha cabeça explodindo. Por que você me deixou beber tanto ontem, Mariana?

-Você não é nenhuma adolescente. Se toda festinha que a gente for você aprontar uma dessas e depender de mim pra te parar...

-Tu é chata. Foi embora antes de eu te apresentar minha colega que te falei, você ia adorar ela!

-O sono bateu e minhas piadas acabaram. Meu sono da beleza é inegociável, e essa sua amiga demorou horrores.

-Horrores, Mariana? Você sai de uma festa 23:30 e ela demorou horrores? Me poupe. Não sei, uma hora que você devia pousar esses seus voos descompromissados, né? A asa cansa. Tem uma hora que a gente quer baixar a guarda, porque não há do que se defender...

-Ai, lá vem você com essa história de avião e tatame de novo. Todo Psicólogo acorda poético assim logo cedo? Um porre...Não tô com a mínima vontade de conhecer ninguém. O Hospital me suga.

-Porque você deixa...Não concordo com isso. Você pegar mais horas que o necessário. Com que finalidade? Sério, Mari. Isso não tá normal...

-Ah, não, Gi. Lição de moral essa hora não. - Digo me afastando em direção ao banheiro. - Você viu meus tênis? - Falo quase gritando já que me afastei de minha amiga.

-Qual deles? Nunca vi ninguém comprar tantos tênis por mês. Tô começando a suspeitar que você faz tantas horas no hospital só pra sustentar essa sua compulsão, não é possível.

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⏰ Última atualização: Aug 05, 2023 ⏰

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