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Mônica, amiga com quem Bárbara dividiria o apartamento, concordou que aquilo deveria ser algo sem importância, mas percebeu que de alguma forma a recomendação de Mirtes havia afetado Bárbara, pois ela resolvera se empenhar em seguir a instrução.

— Você vai chegar cedo hoje, Mônica?

— Chego às 7 da noite, como sempre Bárbara.

— Okay. Eu vou sair às 5 horas da faculdade, mas faço uma horinha na rua antes de voltar pra casa.

— Bárbara. Porque você não vai fazer uma visitinha pra dona Mirtes. Aproveita e pergunta a ela porque ela fez essa recomendação estranha sobre a casa. Não deve ser nada e você está se preocupando à toa.

— Eu não estou preocupada com isso...

Mônica olhou para Bárbara com olhar de deboche perante a afirmação.

— Okay. Ela falou com tanta propriedade. Fiquei meio incomodada com a ideia do que poderia acontecer caso uma de nós fique sozinha aqui — admitiu Bárbara.

— Então vá conversar com ela — insistiu Mônica. — Ela está morando aqui perto, não está?

— Está sim. Vou fazer isso então.

As duas garotas terminaram de se arrumar e seguiram para a faculdade.

(...)
Bárbara desceu do ônibus alguns pontos antes de casa e seguiu a pé até a casa onde Mirtes estava morando com o filho mais velho, sua nora e dois netos. Ainda perto do ponto, ela teve a impressão de ter visto a mesma menina de vestido vermelho que havia visto no cemitério algumas semanas antes.

Ela deve ter vindo visitar a dona Mirtes — pensou.

A jovem seguiu por dois quarteirões e logo chegou à pequena casinha com um jardim muito florido à frente. Mirtes ficou feliz ao vê-la.

A senhora preparou um café para as duas que elas degustaram enquanto conversavam na cozinha.

— Dona Mirtes...

— Apenas Mirtes, Bárbara.

— Desculpe-me — ela sorriu. — Mirtes, porque você me recomendou que de forma alguma nem eu nem minha amiga ficássemos sozinhas na casa?

— Venha comigo — chamou a senhora. — Vou te mostrar uma coisa.

As duas foram para o quarto de Mirtes, onde ela pegou uma caixinha de madeira com um lindo trabalho artesanal floral por toda a superfície.

— Eu e meu marido convivíamos com isso há algum tempo. Ele achou que seria melhor que ficássemos na casa do que vendê-la a alguém que não levasse a história a sério. Uma vez eu corri grande perigo lá dentro, e se não fosse ele arrombar a porta, hoje eu não estaria aqui conversando com você. Agora, com a morte dele, eu tive que sair de lá. Não conseguiria alguém para morar comigo e ficar em casa o tempo todo.

Mirtes abriu a caixinha. Havia muitas coisas miúdas e vários papéis dentro dela. Ela tirou uma fotografia antiga colorida à tinta como uma pintura em tela.

— Você já viu essa menina? — Mirtes entregou a fotografia a Bárbara.

A garota na foto além de ser familiar, vestia o mesmo vestido vermelho que Bárbara já havia visto — é sua neta?

Mirtes pegou a foto de volta.

— Minha irmã gêmea — ela respondeu.

— Mas... — Bárbara não estava entendendo como poderia estar vendo a irmã gêmea de Mirtes com aquela aparência.

— O fato de você já tê-la visto mostra que eu não perdi a sanidade.

— Eu não pensei isso...

— Sei que não, minha querida. Mas muita gente já pensou. Antônio era o único que acreditava em mim. Ele também a viu uma vez.

— Porque nós a vemos?

— Quando éramos crianças, em 1932, Marta ficou muito doente. Os médicos não conseguiam curá-la e ela estava enfraquecendo dia a dia. Ela ficava o dia todo no quarto e não podia sair para brincar. Eu ficava com ela no quarto, mas com o tempo ela ficou fraca demais até para nossas brincadeiras. Uma manhã, ela apareceu na sala onde tomávamos café usando seu vestido vermelho preferido, brincando com sua boneca de pano. Eu e mamãe ficamos muito animadas e ela pediu para chamar o médico para que ele pudesse diagnosticar a cura e assim voltarmos à nossa vida normal.

Bárbara ouvia a história com atenção.

— Mamãe resolveu ir para o quintal colher acerolas para preparar um para nós e eu corri até a loja onde papai trabalhava, quase do lado da nossa casa para dar a notícia e ele veio comigo muito feliz para ver minha irmã. O que encontramos ao chegarmos, no entanto, nos tirou toda a alegria.

Rosa, que havia ido falar com o médico estava caída no chão da sala. Morta. Mamãe pensou se tratar de um assalto e correu para procurar minha irmã. Ela estava de volta no quarto, desmaiada sobre a cama e ficou inconsciente por uns dias até morrer.

— Nossa, Mirtes. Que terrível. Nem imagino como isso tudo deve ter sido para você.

— Ainda me lembro de Rosa caída perto da porta da sala. Foi meu pai quem me tirou de lá.

— A polícia descobriu o que aconteceu?

— Nem chegou perto de descobrir. E essa não foi a única morte que aconteceu na casa. Uma amiga da minha mãe que havia ficado viúva e não tinha filhos foi morar com a gente. Durante um verão, fui com meus pais visitar a fazenda dos meus avós, e essa amiga ficou na casa. Quando chegamos, ela estava morta. No mesmo lugar onde Rosa estava.

Bárbara engoliu seco — vocês mudaram da casa?

— Nunca conseguimos. Aquela época histórias assim assustavam muito. Ninguém queria comprar a casa e mesmo nós tínhamos medo de ficar lá sozinhos. Mas não tínhamos para onde ir. Esse medo acabou nos ajudando a sobreviver. Nunca nenhum de nós ficou sozinho na casa e quando me casei, fui morar lá com meu marido e filhos. Sempre tendo o cuidado de não deixar ninguém sozinho na casa. Mesmo assim, um dia enquanto Antônio cuidava do jardim e eu entrei em casa para preparar uma limonada, uma rajada de vento fechou a porta. E eu a vi. Com o mesmo vestido vermelho e a boneca de pano. Ela foi se aproximando de mim e eu senti meu coração batendo cada vez mais forte. Eu gritei e antes que Marta se aproximasse mais, Antônio arrombou a porta e entrou em casa. Nesse dia ele a viu também. Mas ela não pode mais fazer nada. Ela desapareceu no ar.

— Eu a vi no cemitério. E aqui perto, antes de vir para cá.

— Acho que nós a vemos porque ela nunca saiu da casa. E agora você também está ligada a aquela casa. Você e sua amiga. Alguma coisa trouxe a saúde da minha irmã de volta por um curto período e levou de volta a um alto preço.

Agora Bárbara estava definitivamente assustada.

— Fique tranquila, meu bem. Contanto que você não fique sozinha em casa, não há o que temer. — Mirtes tentou tranquilizá-la.

Um pequeno relógio sobre a penteadeira de Mirtes começou a badalar.

— Me esqueci da hora! — Bárbara se levantou. — Mônica está para chegar em casa!

— Corra! Não pode deixá-la ficar sozinha lá! — Agora Mirtes também estava um pouco assustada. Iria se sentir culpada se algo acontecesse às meninas. Arrependeu-se por não ter contado toda a história antes. Mas geralmente ninguém acredita.

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