O mundo não era mais o mesmo.
Aliás, quando é que o mundo se manteve inerte? Bom, deixem pra lá. Apenas saibam que aquele mundo não existia mais. Aquele mundo onde havia uma consciência apaixonada pela Vida, onde havia um fio de respeito ao semelhante (ou dessemelhante) virou história. Para algumas pessoas, uma bela história da carochinha.
Era de fato um pingo no infinito.
Um cordão de Vida no meio de uma imensidão de galáxias, uma pintura quase imperceptível no breu. Havia ali muito a se descobrir, mas pouco a se admirar. Como, aliás, a maior parte do Universo, numa fachada tediosa e... Bem, apenas bastante tediosa.
Ali, onde nada jazia, ela apareceu. Ela não se rompeu da luz ou da escuridão, mas tinha a impressão que pertencia ao vazio. Tinha a impressão que sempre esteve assim, entre muitos vazios, em busca do novo, mesmo que o novo fosse apenas uma nova perspectiva sobre uma coisa não tão nova assim. Um novo ângulo do antigo. Ou do moderno. Ou do agora. Ou do que seria. Realmente, não fazia a menor diferença, contanto que a entusiasmasse. E normalmente, as várias dimensões do novo a conduziam a uma alegria sempre renovada.
Mas ali, onde o Tudo era vasto, tinha memória de um azul límpido, dançando em ondas. Um vai-e-vem de um mundo que não era mais o mesmo, que não amava mais a Vida. Tinha a memória de uma natureza verde, vasta, farta, equilibrada, inigualável. Tinha a memória de um sol, rei do dia, de uma lua, imperatriz da noite, de pingos brilhantes em um céu escuro, e de... Vida. Espécies diversas, ora enormes, ora minúsculas, às vezes invisíveis à olho nu. E dentre esses seres, uma forma inteligente: Humana. Criaturas bípedes, chamadas comumente de Pessoas. Cada qual com seu próprio rosto, próprio resplendor nos olhos, unicidade na voz, desejos, sonhos, medos, escolhas singulares - bilhões e bilhões de identidades distintas, onde nenhuma era igual a outra e nem nunca haveria de ser. Terrestres, que jogavam olhares, sorriam, deliciavam-se em pensamentos próprios, abraçavam-se, diluíam as dores em lágrimas, cantavam... Amavam. Ela os amava, e eles a ela, onde morava em seus subconscientes junto ao Divino (no caso, ela mesma). Amor. Sabia o que era, sentia pela expansão de Tudo O Que Era. E agora, lembrava que existia a mesma vibração energética no lugar em que tudo mudou.
Não importava quando havia mudado, ou qual era o objetivo de ter mudado, se a Vida tinha ficado mais fácil e dócil ou se a caminhada tinha outras cores; apenas que a mudança havia ocorrido e ela sabia disso. O cenário parecia ser o mesmo, mas quando olhado de perto, não era. Digo, não só o planeta não tão azul assim, mas os seres que ali habitavam. Digo, não as criaturas que dançavam em harmonia com a própria existência, mas a Humanidade que não dançava com ninguém além de si mesma. Digo, nem consigo mesma a Humanidade dançava - ela tampouco caminhava; parecia rastejar sem muita vontade, mantendo-se em movimento só para não ser confundida com uma espécie invisível ou... Com uma simples pedra.
Daquela infinidade ela os observava com aflita incerteza de suas escolhas e, logo, suas consequências - embora, estas últimas eram bastante menosprezadas mesmo quando elas eram esfregadas penosamente na realidade que viviam. Como não entendiam? Como não se importavam? Toda aquela imensidão azul e verde, tão poderosa e terna, que esteve disposta desde o começo de Tudo a aconchegar todos os seres que vieram lhe acompanhar pedindo apenas respeito pela sua própria existência.
E que no fim, estava apenas definhando sozinha, desesperançada, abandonada, sem voz, sem cor, junto das demais Vidas da dita base da pirâmide, presas fáceis de uma abocanhada rápida e mortal da espécie mais inteligente daquele mundo (ao menos, era o que diziam).
Quando a primeira bomba explodiu no hemisfério sul da Terra, os olhos dela marejaram. Havia vagas lembranças (que preferia esconder de si mesma) da utilização de armas semelhantes àquela em outros tempos. Mas agora, o oceano Índico, como os Humanos o chamavam, transformou suas ondas mansas em Tsunamis devastadores, impiedosos e implacáveis. Via os números de pessoas desaparecendo velozmente, como um cronômetro Olímpico, rápido e preciso. Era assustador. E ao seu ver, inexplicável. Com aquele ato, haviam condenado a água e o ar como se vivessem sem ambos, adorando suas máquinas cuspindo joias e altares com deuses que ensinavam a odiar.
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Unimundos e os contos do fim de tudo
Short StorySe houvesse uma única maneira de catalogar todas as formas de como o mundo chegaria ao fim, seria através de contos. Aqui há sete amostras - ora poética, ora impiedosa - dos últimos (diferentes) passos dados pela Humanidade em seu planeta azul.