Morte no Lar

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Ao amanhecer, as moças já se encontravam de volta ao chão da clareira. Fora uma noite que parecia não ter fim. Do alto da árvore as duas não conseguiam dormir por conta de tantas ameaças ao redor. Seu vilarejo provavelmente ainda estaria sendo revistado a procura de mulheres fugitivas. Mesmo após isso, soldados reais certamente ficariam de vigília por lá alguns dias, não era seguro para elas retornar. Mas não era só isso.

Após devorar o soldado no chão, a onça decidira dormir por ali e fora observado do alto pelas garotas durante quatro horas, até um momento que acordara e fora embora mata adentro. Quando isso acontecera, os primeiros raios de sol passaram a tingir o horizonte de vermelho. E então desceram da árvore, mais uma vez, uma ajudando a outra.

Fernanda, que desafiara o perseguidor, tinha cabelos lisos e curtos. Olhos castanho-escuros. Tinha os músculos dos braços visivelmente definidos, mas não saltados. Amanda, a que tentara argumentar, tinha cabelos ondulados que passavam pelos ombros. Olhos castanhos num tom médio. As gêmeas eram bem magras, tinham a pele morena, pouco menos de um metro e setenta de altura. Fernanda tinha parado de contar, mas Amanda sabia que tinham dezessete anos de idade.

Fernanda se aproximou da carcaça do que há poucas horas era um soldado. Amanda ficou olhando recuada. Dinheiro havia sido jogado dos bolsos enquanto a onça o chacoalhava, a primeira irmã recolheu cada moeda. Olhou o uniforme, a cota de malha resistira bem e estava pouco rasgada. No cinto, encontrou o mangual que ele usara para atacá-las. Nenhum sinal da espada curta, ela imaginou se ainda estava fincada no urso ou se o homem a jogara para longe no desespero. Com algum esforço, arrancou o cinto do homem e o prendeu em sua cintura, o mangual junto.

 Dando uma boa olhada na arma ela viu como funcionava: tinha uma empunhadura de madeira de uns trinta centímetros conectada a uma corrente que media um metro de extensão, finalizada por uma pirâmide de aço pouco menor que uma cabeça humana e que devia pesar algo perto de sete quilos. A pirâmide era presa à corrente pela base, o que deixava o topo dela como o fim da extensão da arma. De cada uma das quatro faces dela saíam outras pirâmides, quase como miniaturas dela, que eram como pequenos espinhos.

 Se virou para Amanda e viu que a irmã estava com as mão se fechando e a cabeça abaixada. No punho havia enrolada uma corda com um pingente no formato de uma estrela de três pontas pendendo.

— Vai rezar por um assassino covarde? — ela dizia com desprezo, mas procurando não ofender a irmã.

— Eu vi o arrependimento nos olhos dele, nós devemos perdoar. E, além disso, alguém precisava chamar um anjo para buscar a alma dele aqui. Imagina que terrível vagar para sempre em meio a essa floresta.

Fernanda sabia que aquele não era o momento de discutir. Apenas se aproximou da irmã.

— Bom, precisamos subir esse morro e contornar a estrada. Achar o próximo vilarejo e ver se somos acolhidas lá.

— Como assim? Não vamos voltar pra casa?

— Irmã, não vê? Eles podem até não estar procurando a gente, mas se aparecermos por lá, vão nos fazer o que fizeram às outras, ou pior, por termos fugido.

De fato, não devia haver ninguém procurando por elas porque o único soldado que as vira fugindo era aquele que jazia perto delas. Fernanda também acreditava que ninguém do vilarejo denunciaria a falta delas a alguém. Eram reclusas, praticamente anônimas e os poucos que as conheciam tinham carinho por elas.

Amanda olhou para baixo, relutante. A irmã a segurou os braços perto dos ombros e abaixou a cabeça também. Olhando pro chão, Fernanda viu a boina do soldado ali. Ela se abaixou para pegar. Estava intacta. Prestando mais atenção, viu que o ícone real estampado nela era, na verdade, um broche, preso por duas linhas. Ela o arrancou, sem fazer muita força. Guardou no bolso, sem saber bem por quê.

A Brava, a Pura e o MalditoOnde histórias criam vida. Descubra agora