Entrando na mente de um psicopata

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O despertador toca, com o olho ainda semicerrado visualizo o relógio que marca 07:00 horas.
-- Merda! Estou atrasado - levanto tão rápido que só percebo depois  que a minha mulher não está deitada ao meu lado. Vou em direção ao banheiro e começo a escovar os dentes, consigo sentir o sabor do sangue que escorre pela minha gengiva pela força que estou exercendo sobre a escova na tentativa de acabar mais rápido.

São 07:30 e ainda estou na porra de um engarrafamento que assola toda a Avenida Brasil, claro, hoje é dia dos pais. As vezes fico pensando qual o sentido dessas comemorações tão fúteis. Quando penso no meu pai só sinto angústia, eu odeio ter isso que as pessoas chamam de sentimento porque sinto vontade de m....

-- VAI LOGO FILHO DA PUTA!! - Um homem bêbado e notoriamente drogado grita de um carro logo atrás do meu.

Tudo que eu desejava era que ele estivesse do lado de fora do carro, para que eu pudesse dar a ré e prestigiar o esmagamento dele na placa "Pare" que está pichada com a frase: "Jesus está voltando". Quando volto a realidade percebo que já estou no estacionamento, é incrível como a mente humana atua, são tantos anos de trabalho que é quase automático como meu corpo me guia ao trabalho, é automático o que ele faz a noite também... Eu paro por aqui.

Chego do trabalho, minha mulher está sentada imóvel em frente a um jarro de flores, é visível as olheiras inchadas, logo me certifico de que ela havia chorado, tento fingir preocupação e pergunto o motivo do drama.

-- Lembra quando você passou dez meses fora e eu estava grávida? - pergunta enquanto tenta, visivelmente, não chorar.
-- Lembro - respondo sem entender o motivo da pergunta.
-- Eu menti - diz enquanto volta a chorar
-- Como assim mentiu? - fico confuso, ela não estava grávida? Eu tentei acompanhar mesmo odiando toda a situação e estando longe.
-- EU MENTI! EU MENTI! - ela levanta transtornada gritando então começo a me preocupar de verdade e agarro ela na intenção de acalma-la.
-- Eram gêmeas, eu ia te contar, mas o médico disse que talvez uma delas não sobrevivesse e eu não quis te frustrar - ela chora ainda mais enquanto conta, demoro a entender o que ela diz e me nego a pensar que ela realmente fez isso.
-- Você é louca? Que tipo de monstro esconde isso de um pai? - grito com essa mulher que nem parece mais com a que me casei a tantos anos atrás.
-- Pai? Você? - questiona em tom de deboche - Você nunca demonstrou afeto pelos meninos, pelo contrário sempre os tratou muito mal, até chegou a agredi-los - ela sabe como me atingir e eu sei como me proteger das suas palavras ásperas. Diante da situação mudo o assunto, é o melhor a se fazer.
-- Qual o nome dela? - pergunto com calma e não obtenho resposta - QUAL É O NOME DELA PORRA?
-- É Ângela ou era não é mesmo? - o choro volta com mais intensidade - ela está MORTA! MORTA! Assim como eu, sabia? Eu tbm estou morta e sabe quem me matou? Você! Sim, você me matou, eu tenho nojo de você, NOJO! Você me matou no dia em que arremessou o carro sobre mim. - tenho a certeza de que ela só pode estar louca. Em todos os momentos que saio ela está em casa tomando o seu whisky, as vezes resolve participar da diversão comigo e escolhemos os melhores locais e vítimas juntos.
-- Eu lhe dei o melhor sempre pra te deixar feliz e é dessa forma que você agradece? Você é realmente uma maldita! Passo um dia de merda naquela companhia enquanto você fica em casa gastando todo o meu dinheiro e bebendo como a boa viciada inútil que é! -
-- FELIZ?! - grita - Você joga um carro sobre mim e vendo que eu estou viva, me sequestra e me obriga a viver o resto da minha vida ao seu lado? Você acha que eu estou feliz? Francamente. - traz a tona tudo de novo, ela não vai superar?

Achei que essa história já estava encerrada. Maldita hora que eu resolvi escolher aquela mulher como vítima, eu só precisava ter alinhado melhor o carro. Eu era iniciante, a pouco tinha descoberto como era prazeroso o barulho dos ossos quebrando e os gritos de desespero, escolhi mal, ainda sentia um pouco de nervosismo na época, deixei-me ser guiado pela emoção e cai nessa armadilha: não executei o plano com precisão, notei que a mulher ainda se mexia bravamente e gritava a plenos pulmões, a rua logo encheu de desocupados e eu precisei fazer o papel de bom moço, fingi que estava com problema no freio e passei mal ao volante, tive que prestar socorro a mulher que tempos depois tentou me denunciar.

Volto ao presente.

-- Está acontecendo de novo não é? Está bebendo em excesso novamente, não me obrigue a fazer algo com você. - falo enquanto ela se exalta e antes que formule uma frase retiro um sedativo da gaveta da estante ao meu lado e aplico lentamente no seu pescoço, dou um beijo em sua testa e a acomodo no sofá.

Ainda estou absorvendo o fato de eu ter quase beijado a minha filha e ter a matado, eu a matei, como não havia percebido as saídas da minha mulher todos os dias? Será que ela falou sobre tudo isso que ela me disse a poucos minutos? Tenho certeza que não, ela tem medo do que posso fazer com ela, na verdade eu acho que ela gosta de tudo isso só não quer admitir, afinal quem seria capaz de ama-la além de mim?

Estou parado na rua em que atropelei Angela, esperando a minha próxima vítima, já faz quase uma hora e avisto um carro a alguns metros do meu. Está parado no escuro, na penumbra é possível ver a porta se abrindo, mas só consigo ver a mulher depois dela aparecer sob a luz do poste que oscila sincronizadamente com os passos acelerados da mulher, espera... Aquela é a minha... esposa, como sou burro? Ela estava alcoolizada o suficiente para o sedativo não fazer efeito.

-- Que ódio - digo dando socos no volante.

De repente uma fúria inexplicável toma conta de mim e sem lembrar do outro carro presente na rua, ligo o meu e acelero na direção mulher que não será mais minha. Quando estou mais próximo a ela, sinto um impacto sobre o carro e o vidro se esfarelar em mim. O carro pende para o lado, ainda estou consciente, tenho uma ampla visão do lado de fora, mas é impossível me mexer, está doendo muito, tenho certeza de que o ferro está enfiado no meu estômago, vejo os pés de alguém, peço socorro desesperadamente, mas quando levanto a cabeça meu estômago revira e sinto uma onda calor excessivamente quando vejo Ângela, como ela não morreu?
O calor aumenta e percebo que não é causado pela presença de Ângela e sim pelo fogo que a puta ateou no meu carro.

É estranho escrever como meu "pai", mas confesso que é muito interessante narrar a morte dele, ainda mais quando eu posso escrever entrando na mente de um psicopata. Antes que me perguntem, eu não fui atropelada, eu sabia que era filha dele e sabia das barbaridades também, não é atoa que eu dei meu número para ele, ele bebeu muito no nosso encontro e sem que ele percebesse botei uma bala de LSD na bebida dele, ele me deixou na rua escura e nem sequer percebeu que eu não estava sozinha na rua, idiota, ao desaparecer da vista dele, me escondi e presenciei a morte da mulher que ficou como uma folha no chão, senti muita raiva dele e quis me vingar. Quantas vítimas ele não fez em todos esses anos? Quantas famílias eles fez sofrer? Quantas pessoas sangraram até a morte, com a dor de seus ossos perfurando seus órgãos?

Na hora, a esposa dele, minha mãe, ficou em choque e não esbanjou nenhuma reação, não tive mais notícias dela, espero que esteja bem, mas com certeza ela está abandonada em uma clínica psiquiátrica. Meu "pai", ou o monstro que era meu progenitor, realmente falava sério quando a chamava de louca.

É hoje, estou ansiosa, já fazem 7 anos desde o ocorrido. Respondi por homicídio - sim, me denunciaram, não entenderam que eu estava fazendo justiça e livrando muitas pessoas de serem vítimas de um psicopata - estou continuando esse diário de merda em uma cela de segurança máxima, mas estou me recompondo e agora irei recomeçar minha vida mesmo sabendo que amanhã vou ter um dia terrível na companhia - gargalho.

Passeio noturno - parte 03.Onde histórias criam vida. Descubra agora