CAPITULO 3

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DOMINGO! SAÍ DA VILLA BORGHESE pouco antes do meio-dia,

exatamente quando Bóris se preparava para almoçar. Saí por um senso

de delicadeza, porque realmente aflige Bóris ver-me sentado lá no

estúdio com a barriga vazia. Por que não me convida para almoçar com

ele, é coisa que não sei. Diz que não pode gastar assim, mas isso não é

desculpa. Seja como for, sou delicado nesse ponto. Se lhe causa pena

comer sozinho na minha presença, provavelmente lhe causaria ainda

mais pena partilhar a refeição comigo. Não é minha função sondar-lhe

os negócios secretos.

Passei pela casa dos Cronstadts e eles também estavam

comendo. Franguinho novo com arroz. Menti que já havia comido, mas

seria capaz de arrancar o frango das mãos da criança. Isto não é apenas

falsa modéstia - é uma espécie de perversão, penso. Por duas vezes me

convidaram para comer com eles. Não! Não! Não aceitei sequer uma

xícara de café depois da refeição. Sou delicado, sou mesmo! Ao sair,

lancei um olhar comprido sobre os ossos que estavam no prato da

criança - ainda havia carne neles.

Vagueando sem rumo. Um dia bonito - até agora. A Rue de Buci

está viva, fervilhante. Os bares todos abertos e as esquinas cheias de

bicicletas. Todos os mercados de carne e hortaliças em pleno

funcionamento.

Braços carregados de hortaliças embrulhadas em jornais. Um

belo Domingo Católico - na manhã, pelo menos. Meio-dia em ponto e

aqui estou eu em pé com a barriga vazia, na confluência de todas estas

ruas tortuosas que rescendem cheiro de comida. Diante de mim está o

Hotel de Louisiane. Uma velha e sombria hospedaria conhecida dos

maus rapazes da Rue de Buci nos bons velhos tempos. Hotéis e comida,

e eu caminhando de um lado para outro como um leproso, enquanto

caranguejos vão me roendo as entranhas. Nas manhãs de domingo há

uma febre nas ruas. Nada como isto existe em outro lugar, exceto talvez

no East Side ou lá embaixo em roda de Chatham Square. A Rue de

1'Echaudé está fervilhante. As ruas torcem e viram, tendo em cada

ângulo novo burburinho de atividade. Longas filas de pessoas com

hortaliças sob os braços, virando aqui e acolá com firme e vivo apetite.

Nada senão comida, comida, comida. É de deixar uma pessoa delirante.

Passo pela praça de Furstemberg. Parece diferente agora, ao

meio-dia. Outra noite, quando passei por ela, estava deserta, desolada,

espectral. No meio da praça quatro árvores pretas que ainda não

começaram a florir. Árvores intelectuais, alimentadas pelas pedras do

calçamento. Como verso de T. S. Eliot. Aqui, por Deus, se Marie

Tropico de CancerOnde histórias criam vida. Descubra agora