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            Eu vi o diabo! Não é brincadeira ou conversa fiada. Eu, Jude Salomão, o vi em carne e osso. Ele não é vermelho infernal e nem tem rabo ou chifre. Também não se parece com um anjo da Idade Média, ou tem cabelos loiros lisos ou crespos angelicais. Eu vi o diabo. Eu sentir seu cheiro cítrico adocicado sem enxofre.

Antes de mais nada, irei me apresentar. Haja vista, você precisa saber um pouco da minha trajetória. Algumas pessoas me chamam de Insider, que é um nome chique para quem visita outra pessoa nos sonhos do coma. Eu, sinceramente, me autodenomino Intrusa.

E me chamo assim, por que ajudo quem não pede minha ajuda, mas precisa. Minha especialidade são as mentes das mulheres que vivem no coma. Que não conseguem desperta por si mesma.

Não me pergunte o porquê de atender somente mulheres. Talvez, quem sabe, todos os casos em que trouxe uma mulher do coma, a culpa do coma tenha sido causada por um homem.

A minha conexão acontece quando começo a escutar uma música específica e vejo o rosto da pessoa.

Os acordes me levam para dentro da mente que invadirei como se estivesse descendo por enormes cachoeiras de águas cristalinas... imensas quedas d'água sem fim, onde sempre vejo um longo Fio de Prata saindo detrás da minha cabeça ligando minha alma ao meu corpo, me permitindo sempre voltar para essa carcaça.

Minha primeira Intrusão aconteceu quando escutava a primeira música, do primeiro álbum, da banda Black Sabbath. E foi para ajudar uma jovem que morava ao lado da minha casa, e que também estava com 15 anos naquela época.

Tudo ainda é muito nítido de como aconteceu... eu me apaguei quando me arrumava para escola e acordei dentro da mente dela. Ela foi salva e desde então minha conexão só acontece desta forma: Ouvindo a primeira música do primeiro álbum da banda Black Sabbath.

Tem outra coisa que você precisa saber ao meu respeito. Todas as vezes que volto de uma Intrusão, acontece-me alguma mudança física. Na primeira vez foi a cor do meu olho direito. A íris ficou totalmente branca como a neve. Uso óculos escuro desde então, a qualquer hora do dia, porque sei que causa infortúnio e desconforto para quem conversa comigo.

           Na segunda vez meus cabelos voltaram lilás, lisos e na altura dos ombros. Não é qualquer lilás, é um tão cintilante que causa a impressão que a cor preta se mexe pelos meus cabelos, fazendo formas desconexas e variadas.

           No outro dia, fui à cabelereira perto da minha casa, cortei meu cabelo bem curto e pintei de preto... estou rindo da minha idiotice porque só fiz gastar a maior grana. Pela manhã quando acordei, lá estava meu cabelo lilás, liso e pelos ombros de volta. Parecia que não havia cortado um milímetro do meu cabelo.

          Esse caso que vou começar a contar não tem muito tempo que aconteceu. No máximo três semanas, se muito. Eu estava deitada na minha cama lendo o livro O Sobretudo Vermelho Afogado – Parte 1 – A Criança; do autor Rodrigo Rassoul, quando meu telefone vibra chegando uma mensagem de um zap desconhecido. Suspirei chateada, é logico, até porque estava amando o livro, porém, o início da mensagem piscava gigante nos meus olhos dizendo:

SOCORRO! SOU UMA MULHER QUE PERDEU O MARIDO E QUE ESTÁ PERDENDO A FILHA. HOJE, POR DUAS VEZES OLHEI PARA O POZINHO AZUL PENSANDO EM ACABAR COM TUDO...

            E a mensagem parou exatamente assim. É verdade que sempre recebo mensagens desesperadas, mas, sempre passo à frente por causa da minha sanidade. Só atendo solicitações vindas de uma psicóloga amiga minha - Se lembra que comentei da jovem na minha primeira Intrusão? -, pois tenho sua ajuda quando preciso voltar da mente da pessoa. Esqueci de dizer que críamos um mecanismo que facilita para Aline saber, quando preciso deixar a Intrusão.

            Demorei algum tempo para responder à mãe desesperada. Não sei precisar quanto tempo foi. Mas sei que não foi logo. Aline, minha amiga e psicóloga, estava viajando de férias com o marido, o que me deixava ainda mais insegura.

            Porém, suspirei fundo e peguei o celular perguntando onde era a residência. Não demorou segundos para que minha tela se enchesse com "OBRIGADO" e rapidamente a localização foi enviada.

            Normalmente não preciso estar no local. Posso fazer de minha casa, desde que tenha a foto da pessoa na cama, em coma. Porém, algo me incomodava e não sabia o que era. A noite estava com temperatura agradável de vinte e dois graus na capital pernambucana, mas, sentia em meu corpo uma sensação térmica tão fria que podia jurar que saía fumaça da minha boca quando respirava... igual como acontece com os atores nos filmes em locações na Antártida.

            O Uber chegou e me levou para meu destino. Eu percebi que o motorista estava preocupado e me observava pelo retrovisor do carro. Eu tremia de frio. Sentia muito frio.

           O meu queixo não parava de bater e quando chegamos no local, fui colocar o dinheiro na mão dele, e o rapaz de nariz afilado rapidamente puxou a nota da minha mão, como se tivesse tocado em algo morto e gelado. Pude perceber através dos seus olhos esbugalhados, o medo e repugnância que eram transmitidas sem piscar pelo retrovisor.

           A luz da varanda da casa acendeu antes mesmo que tivesse saído do carro. Uma mulher de cabelos grandes e ruivos que chegavam na cintura esguia, me esperava na porta da sua casa com suas mãos juntas e pausadas na frente do seu corpo.

            Ela usava um vestido floral. Com as mangas até os cotovelos. Sua postura era impecável.

EU VI O DIABO - Lançado 16/09/22 - Conto de TerrorOnde histórias criam vida. Descubra agora