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          Jude Salomão entra na casa pedindo licença. Os olhos da mulher parecem cansados. Na verdade, uma tristeza profunda parece sair de dentro dos olhos da mulher, abraçando-a.

— Desculpa meu desespero... digo, a mensagem tão ameaçadora. Mas, de fato passei todo o dia de hoje desejando me matar. — Jude Salomão olha em volta de si. A casa é maior por dentro. — Muito obrigada por ter vindo. — Quando apertam as mãos, Jude sente um leve desconforto. — Você está bem? Parecia que estava congelando.

— É, de fato estava. Mas, estranhamente estou mais aquecida.

— Estranhamente? — A pergunta sai com um misto de medo e curiosidade. — Desculpa, não ter me apresentado antes, meu nome é Beatriz Solano. — Fala a mulher novamente apertando a mão de Jude.

— Eu sou... bem, você já me conhece. Desculpe-me ter dito estranhamente, o que na verdade quis dizer foi graças a Deus estou mais aquecida. Qual o nome da sua filha?

— Isabela.

          Beatriz responde e toca no ombro de Jude Salomão para que a acompanhe até uma sala que fica próxima da porta da frente.

           O piso da casa é de um mármore que lembra a madeira. Uma peça única e belíssima.

          Uma santa dentro de um altar, fixado na parede branca, tem ao seu lado uma bíblia aberta no Salmo 91. Isso é percebido por Jude Salomão.

— Por favor, sente. Eu desejo conversar e tirar suas dúvidas antes de entrarmos no quarto. O médico me alertou que as pessoas nesse estado de coma, que Isabela se encontra, é possível escutar tudo... e não quero que ela saiba de algumas coisas antes de ser acordada.

            Jude Salomão franze o cenho e balança positivamente a cabeça em concordância.

— Se quiser tirar os óculos, fique à vontade. — Beatriz acha estranho, mas, quem era ela para julgar as modas das pessoas. Fora que a jovem a sua frente estava com o semblante bem melhor.

— É melhor não. Estou bem a vontade. — Você é quem não ficaria à vontade. Pensa Jude Salomão. — O que preciso saber?

— Eu sou madrasta de Isabela. Casei-me com Murilo tem quatro anos... foi logo após ele ficar viúvo. Eu cuidei da mãe de Isabela, a Madalena. — Pausa — Ela estava com câncer terminal no ovário, e numa certa manhã, como sempre fazia, me pediu para tomar banho. Fui até a banheira que ficava no próprio quarto, misturei as águas para deixar na temperatura que Madalena gostava. Ela amava esse banho matinal. Era seu revigorante. Porém, atendendo seu pedido — Beatriz suspira se lembrando —, eu fui buscar o perfume que ela gostava de colocar juntamente com a espuma do banho. Ela dizia que Murilo amava o cheiro cítrico floral adocicado que ficava em seu corpo depois do banho. Deseja beber algo?

— Não, obrigada.

— Se quiser beber algo é só dizer...  Eu fiz o que ela me pediu e fui buscar o perfume. Não o achei logo, na verdade, só fui acha-lo no dia seguinte da sua morte... é estranho lembrar-me disso agora?

— Na verdade, não.

— Quando voltei Madalena havia cortado os pulsos. — Beatriz suspira como quem sente novamente a perda. — Até hoje nem eu e nem a polícia sabemos como a navalha foi parar ali. O pior foi tentar tirar Isabela de perto da mãe. Murillo estava branco e sem reação. Ele não tinha forças para me ajudar a tirar a filha de perto da mãe. Meus braços e ombros, no fim do dia, parecia que havia sustentado trezentos quilos.

— Como ele morreu?

— Suicidou-se. — Beatriz responde olhando a sua volta. — Essa casa é amaldiçoada. Continuamos aqui porque não seria fácil encontrar na capital uma casa com este tamanho. E o dinheiro que ele deixou pode nos manter segura por mais de cem anos.

— Verdade... seria uma missão quase impossível. — Jude Salomão concorda sem tirar os olhos de Beatriz. E sim, no seu íntimo Jude Salomão conclui estar olhando para a culpada por tudo. Mas, por que então tentar trazer Isabela de volta do coma? E como a menina ficou de coma? Era bem mais seguro para ela deixar tudo como se encontra.

— Murilo bebeu veneno no quarto aniversário da morte de Madalena... e deu para Isabela beber também. — Dispara Beatriz.

— Meu Deus.

— Eu pensava que ele estava feliz com nosso casamento. Fazia tantos planos... marcamos a viagem de Lua de Mel que não conseguimos tirar quando casamos. Desejo que fique claro que casamos seis meses depois da morte de Madalena. O dia da morte dele amanheceu estranho e quando o sol se pôs, ficou uma noite eterna até hoje. A polícia escavacou tudo e não achou nada... graças a Deus. — Nova pausa — Isabela nunca mais saiu do coma e o médico disse que se caso ela conseguisse voltar, talvez vivesse como um vegetal ou na melhor das hipóteses não se lembraria de nada.

— Como você descobriu meu número?

— Estava na agenda dela — Beatriz esfrega uma mão na outra. — Há vários recortes de jornais com sua foto e numa dessas fotos, seu número. — Olhando para Jude Salomão, Beatriz conclui: — Eu só vi hoje porque me deu saudade da minha menina e fui mexer na sua agenda, foi aí que os pedaços de papeis caíram sobre meus pés.

EU VI O DIABO - Lançado 16/09/22 - Conto de TerrorOnde histórias criam vida. Descubra agora