Capítulo 1

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Elizabeth a observava ao piano, mas seus pensamentos estavam distantes desse delicioso sarau executado por deslizar de dedos delicados, alongados e perfeitamente treinados de Ceccil, a melodia pairava ao longe, como mero pano de fundo de recordações sombrias.

Elizabeth não possuía afeição a tecnologias modernas como televisão, rádio ou qualquer outro meio de comunicação no mundo que havia criado para si mesma dentro da sua herdade. Preferindo passar suas horas na prática de uma boa leitura, ou na confecção de seus aclamados bordados à mão como passatempo, ouvindo boa música e não do gênero que lhe ferissem aos ouvidos.

Conduta que Ceccile absorvia com a mesma ternura desde a mais tenra infância, e que teria aceitado com qualquer outra determinação sua, como mentora. Por julgá-la como o mais perfeito produto de suas obras há muito tempo, Elizabeth a manteve próxima de si, e, por conseguinte afastada até de seus subordinados mais próximos. Atitude que agora, com o câncer a consumindo por dentro, ou até mesmo por esse motivo, via-se obrigada a admitir que nesse ínterim, não agiu com Ceccile de forma tão diferente ao que havia agido o pai dela, o mesmo homem de cultura simples que preteritamente havia julgado.

Ela certamente a havia ensinado muito mais do que uma menina vinda de família humilde teria chances de sequer cogitar aprender ou viver. Ceccil era uma dama em porte, conduta, tom de voz e aparência, fora ensinada a se vestir, se maquiar e se portar até no mais requintado dos ambientes que lhe fosse imposto, e Ceccil jamais se exaltaria. Quanto a isso sempre apregoava lhe; "O grito vem quando a palavra perde a força. Faça com que suas palavras sejam fortes, sempre" - e agora, Elizabeth gostaria de gritar.

Ceccile absorveu seus ensinamentos e bebeu das suas palavras sem esforço, com a passionalidade que sempre lhe fora natural, sem nunca sentir necessidade de ir além ou agir com ingratidão. Lia os livros que a sábia senhora indicava que pudesse ler, executava ao piano com prazer as melodias que Elizabeth gostava de ouvir e ela montava...

Ah, sim!

Dentre todos os prazeres que sentia em estar ao lado desta senhora que tanto admirava, galopar era o seu ápice! Ceccil tinha liberdade consagrada pela sábia senhora para estar em qualquer cômodo da magnífica mansão, salvo se determinado cômodo estivesse em algum tipo de manutenção ou limpeza, se ocorresse, ou saia ela, ou quem quer que ali estivesse teria que se retirar imediatamente. Esse comportamento de sua parte, e também dos demais subordinados, era igualmente exigido de ambos, também no estábulo, este que outrora já havia abrigado mais de 15 cavalos de puro sangue, atualmente era mantido a abrigar um único garanhão de pelagem claro acinzentado chamado Wees, que Elizabeth preservou, sabendo ser seu preferido.

Elizabeth intimamente lamentava o que fizera de Ceccil. Sim, havia esculpido na outrora criança, uma bela mulher, mas compreendia que agora estava impotente para preservar o que mais havia de valioso no objeto de sua obra. A inocência imaculada de Ceccil.

Tão absorta estava, presa em seus próprios pensamentos e divagações, que Elizabeth somente se dera conta de que sua pupila havia acabado o concerto, quando ela vem sentar-se delicadamente ao seu lado no sofá, portando uma bandeja de prata com seu licor predileto. Elizabeth lhe sorri sutilmente ao servir-se e argumenta;

- Se o dia amanhecer agradável, como promete esta noite enluarada. Seria aprazível assistir-lhe cavalgando os prados, Ceccil.

- Claro.

Ceccile assente incomodada. Conhecedora que era dos hábitos de Elizabeth e de sua arraigada determinação em jamais sair de sua rotina, fita-a discretamente de lado.

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