I.

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- Agora és minha! - ouço uma voz rouca que surge atrás de mim e arrepia-me a nuca. Nunca ouvira esta voz antes, mas temo que possa ouvi-la sempre a partir de agora.

- Larga-me - tento me soltar dos seus braços. Daquele homem que não consigo enxergar o seu rosto, apenas os seus braços cobertos com um casaco preto e as suas mãos grandes tapadas por umas luvas de couro da mesma cor. - Deixa-me em paz - continuo a gritar. A cada grito que me sai da garganta, os seus braços parecem apertar cada vez mais a minha cintura, deixando-me completamente sem ar.

- Faz pouco barulho, merda - ele resmunga e tira uma das suas mãos do meu corpo e tapa-me a boca com força para abafar o som que solto.
A sua mão desce, então, até ao meu pescoço e aperta-o ligeiramente.

- Socor-

Sou interrompida por um sobressalto e acordo suada na minha cama toda desmanchada.
- Socorro! - grito enquanto me levanto rapidamente.

- Outro pesadelo? - pergunta a minha irma Alexie, aproximando-se da minha cama, apoiando um dos seus joelhos no colchão. Ela encara-me e ainda aguarda resposta mas eu apenas caio sobre a minha almofada, de novo, e ignoro a sua questão.

- Acordei cheia de fome - desvio o assunto e tiro as cobertas de cima de mim. Quando me destapo, eu e a minha irmã observamos o colchão encharcado contornando todo o meu corpo e percebo que não há maneira de me desviar do assunto agora...

Os seus olhos repousam em mim e ela não solta nem uma palavra, fazendo-me falar apenas com o seu olhar que me repreende neste momento.
- Eu sonhei de novo que um homem qualquer me tinha raptado - começo e suspiro. - Eu sei que parece loucura, já faz quatro meses que aquele homem não entra em contacto, mas mesmo assim, continuo com medo.

- Ele não volta, Yasmin, prometo - a minha irmã senta-se ao meu lado e afasta uma mecha do meu cabelo para trás da minha orelha... esse ato faz-me tranquilizar o coração e o meu corpo que ainda treme do pesadelo.

Ela parece ser mágica e faz todos os meus problemas desaparecerem. Às vezes, com o seu toque mágico na minha pele ou até no café em que bebo que, ao invés de açúcar, ela coloca algo diferente que espanta todas as minhas preocupações, tudo se desvanece numa onda enorme e vai se misturando com o resto do mar.
Mas, de alguma forma, não espanta esta preocupação... há quatro meses exatos, havia um homem que me perseguia de casa até ao trabalho e vice-versa. Era terrível... E como sei? Todos os dias avistava uma figura alta de gorro e óculos de sol postos a vigiar-me e a esperar-me em todos os lugares em que eu parava. Até que um dia, recebi um envelope à porta da minha casa com várias fotografias minhas tiradas do lado de fora da minha janela e um bilhete perdido no meio delas que dizia:
"Eu sou completamente apaixonado por cada pedaço do teu corpo"

O que me assustou bastante. Cheguei a confrontar a polícia com o sucedido, mas para eles, eu era apenas uma jovem muito bonita que deveria normalizar abordagens de homens e que nada acabaria por passar de bilhetinhos. Ignoraram totalmente as fotos e garantiram que eram apenas amigos meus que queriam fazer uma brincadeira de mau gosto e o caso foi arquivado pelo que disseram... se é que abriram algum... Mas, eles tinham razão. Não passou mais do que isso. Desde então, nunca mais me voltou a contactar. Talvez, porque soube muito bem que eu teria ido à esquadra. No entanto, ainda não me sinto segura.

- Hoje vais trabalhar? - questiona-me a minha irmã, enquanto levanta-se da minha cama e dirige-se para fora do meu quarto deixando-me totalmente sozinha comigo mesma.

- Nem por isso - respondo - A minha patroa vai ao funeral da sua sogra então, dispensou os funcionários todos da loja! - conto. Ouço os passos da minha irmã a aproximarem-se e quando levanto o meu olhar, está a minha irmã com um sorriso de orelha a orelha e a cabeça ligeiramente inclinada para o seu lado direto.

- O que foi? - franzo a testa e espero que ela me conte

- Boa desculpa para tirar férias - ela balança o indicador apontado para mim e depois leva-o ao seu queixo como se estivesse a pensar em algo importante.

- Oh vá lá - digo num tom de repreensão - É como se fosse da família...

- É sogra... - ela fala num tom irónico o que arranca de mim uma risada. Ela encolhe os ombros e desaparece do meu quarto outra vez. - Então já que não vais trabalhar, vai por favor à loja da Margarida!

- Tem mesmo que ser...? - tudo o que eu menos gosto é ir ao café da Margarida, a melhor amiga da minha irmã. Pensa que sabe tudo e que é melhor que todos
os outros e nem vou mencionar a sua incrível capacidade de assumir coisas que não são verdade e chama a isso "intuição"

- Sim! - ouço a minha irmã a gritar da cozinha - Preciso de ovos para fazer o pequeno almoço. - reviro os olhos e visto-me num instante para sair de casa.
Eu nunca contei à minha irmã, e acho que nunca irei contar, mas eu tenho muito medo de andar sozinha na rua. Já há seis meses que chamo sempre, disfarçadamente, uma amiga minha ou até a minha irmã para me acompanharem para algum sítio. Se confessasse tal segredo, ouviria pela vigésima vez a minha irmã a aconselhar-me ir ao terapeuta, mas eu não quero!

Coloco uma sweat e umas calças baggy jeans e amarro o meu cabelo num rabo de cavalo despenteado, mas apresentável para sair à rua.
- Então já volto - aviso. Avisto a minha irmã a balançar a cabeça, como sinal que me ouviu, e eu saio.
Mal o meu pé alcança o chão do prédio, todo o meu corpo estremece e a única coisa que me limito a fazer é morder os meus lábios para me acalmar.

Cada passo que dou, olho para todos os lados, freneticamente, com esperança de avistar algo que me possa indicar quem possa ser o homem assustador que me perseguiu durante dois meses, mas... nenhum sinal.

Chego à loja e está pouca gente na fila. Talvez por ser de manhã, ou mesmo pelo feitio chato da Margarida que afugenta os clientes todos.
- Bom dia meu amor - ouço a sua voz irritante entoar nos meus ouvidos. Eu suspiro, fechando os olhos e tento me preparar para ela e só depois, é que viro o meu corpo para encará-la.

- Olá Margarida, que bela surpresa - falo com a maior falsidade, abrindo um sorriso maior que a minha cara e ela faz o mesmo.

Enquanto converso com a melhor amiga da minha irmã, sinto um corpo morto cair nas minhas costas e caio para a frente, quase fazendo a Margarida cair junto comigo.
- Peço imensa desculpa - levanto-me e apoio-me nos meus joelhos já que estou demasiado atordoada para me levantar. Estou prestes a virar o meu rosto e a dizer umas boas para quem me empurrou quando sou surpreendida por um rosto quase que divino.

A sua mão estende-se para me ajudar a levantar e eu aceito a sua ajuda.
- Magoaste-te? - ele pergunta e eu respondo que não. Os seus olhos verdes brilham neste momento e a maneira que ele me olha, faz-me sentir como se eu fosse algo raro neste mundo. - Chamo-me Austin já agora! - a sua mão é estendida de novo, mas desta vez, para se apresentar e anunciar a sua entrada na minha vida, espero eu.

AUSTIN BUTLER - STALKEROnde histórias criam vida. Descubra agora