feridas

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Já fazia parte da rotina de Gaspar atender um homem em específico.

Eles nunca trocaram uma palavra, mas Gaspar já havia visto boa parte do corpo dele, e não da forma agradável.

Ele nunca havia visto alguém com tantas cicatrizes em tantos lugares diferentes. Também não conheceu nenhum paciente que voltasse quase a cada três dias por causa de agressões.

O homem não lhe parecia nem um pouco agressivo, sempre colaborou com ele e com os outros enfermeiros que já o atenderam.

Mas aquele dia foi diferente.

Não eram hematomas de socos como o habitual. Ele chegou desacordado, com a cabeça aberta e cortes de facadas. Até suas vestimentas eram diferentes, estava de terno e não com as roupas pretas meio góticas de sempre.

Foi a primeira vez que o viu sem os óculos escuros e descobriu o motivo de ele usá-los.

Seus olhos eram totalmente brancos.

O que não fazia sentido, ele não era cego, ele não tinha nenhum tipo de guia e se locomovia normalmente, além de ler e assinar documentos sem nenhum problema.

Esse homem era realmente intrigante, Gaspar estava obcecado.

Gabriel teria que ficar internado durante alguns dias, era a oportunidade perfeita para tentar conversar com ele.

Como ele conseguiu ficar responsável por ele, ele precisava trocar seus curativos duas vezes por dia. Ele ficava nervoso toda vez, Gabriel reparou nisso, mas Gaspar não percebeu.

Gabriel sempre reparou naquele enfermeiro. Ele era a única parte boa de todas as coisas ruins que estavam acontecendo.

Não que eles tenham algum relacionamento, Gabriel inha dificuldade em conversar com pessoas desconhecidas.

Ele perdeu essa habilidade depois de tanto tempo preso.

O enfermeiro cuidava dele, era sempre tão gentil e bondoso, mas ele só estava fazendo o trabalho dele. Ele não era bondoso por ele ou para ele, ele só estava fazendo o que faz com todo mundo.

Toda vez que Gabriel pensava nisso ele sentia como se um balde de água fria fosse jogado em sua cabeça.

Ele estava inegavelmente ferido e emocionalmente e carente. Carente o suficiente para procurar qualquer tipo de afeto em qualquer tipo de pessoa.

Nada melhor que um enfermeiro, que tem como trabalho cuidar das pessoas, não é?

Ele se sentia ridículo. Ridículo e perdido agora. Ele havia perdido a pessoa que o colocou no fundo do poço, isso deveria ser bom, mas essa pessoa era a única em que ele podia se apoiar.

Agora ele não tinha ninguém. Tudo o que lhe restava eram cortes e cicatrizes deixadas por alguém que ele amou tão sinceramente durante tanto tempo.

Tudo parecia desmoronar mais uma vez.

Mas tudo parecia voltar ao normal quando um homem loiro de cabelo médio passava pela porta.

Isso era a única coisa que não parecia mudar. O loiro continuava cuidando dele, ficava nervoso toda vez que Gabriel o olhava e sempre achava estar disfarçarcando bem quando o olhava de canto de olho.

Depois de tantos dias internado ele finalmente juntou coragem para tentar.

Ele respirou fundo e disse com a voz baixa:

- Você... Você sempre me atendeu, mas eu nunca soube o seu nome.

Ele fingiu não ter lido o nome do homem em seu crachá, afinal, como ele, um completo desconhecido, puxaria assunto?

Ele estava visivelmente nervoso, mas suas palavras saíram nítidas e determinadas, mesmo que tímidas.

Gaspar estava levando uma bandeija com os materiais usados para o lixo e quase derrubou tudo.

Ele ficou muito surpreso, sentiu seu coração disparar e rezava para que não tivesse ficado vermelho.

Ele o respondeu, gaguejando.

- M-Meu nome é Gaspar. O seu é Gabriel, não é?

- Sim, mas pode me chamar de Gal - ele diz e sorri.

Gaspar se perguntou se era possível se apaixonar por alguém mesmo sem munca ter falado com essa pessoa.

paciente | dangalOnde histórias criam vida. Descubra agora