Capítulo 1 - O urso no castelo

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O castelo havia se aproximado devagar, pela janela do coche, através da qual Laura espiava com ansiedade.

Por estradas de terra, depois da parada na estação de trem—por curvas que subiam e desciam, às ordens do solo daquele lugar estrangeiro, o norte distante, o castelo a chamava; na Escócia, que ela conhecia apenas de histórias. Finalmente: depois de dois dias e de uma noite, ela estava na Escócia.

O castelo erguia-se entre as árvores—um ponto distante, que a criada encarregada de acompanhar Laura havia apontado. , ela tinha dito. Quando entraram em uma vila pequena—Wirmsham, a criada explicou—, o castelo desapareceu por um momento, ressurgindo depois de terem deixado o assentamento para trás, depois de já estarem viajando sob terra escura e úmida uma vez mais.

Era um monstro de pedras. Maior do que a casa do pai tinha sido; maior do que qualquer lugar em que Laura já havia estado.

A criada que a acompanhava tinha um nome: Matilda. Ela apresentara-se às pressas, quando o coche havia parado no pátio da casa de George Huntington. Huntington, rebento único da irmã mais velha do pai de Laura—seu primo, portanto—, já era um homem de seus quarenta anos, enquanto Laura não passava de uma menina de doze. Com dois filhos, ele entreteve a ideia de agir como pai de criação da menina (o que Laura sabia porque, durante as noites, quando era convencida pela filha de George, Sissy, sair da cama e perambular pela mansão, escutava o primo discutindo o assunto com a esposa).

— Papa nunca vai deixar que te levem daqui — Sissy havia garantido. Loira, de olhos cor de mel, ela era só um ou dois anos mais velha do que Laura, e já parecia agradada pela ideia de ter outra menina na casa. Seu único irmão era Richard, mais velho e já despachado para os estudos em Londres. Ela caminhava pela casa sozinha, e queria alguém com quem pudesse caminhar junto.

No entanto, quando batia à porta do quarto de Laura, quando chamava-a no horário que desejasse, com uma entonação quase cantarolante—prima! Laura!—, Laura sentia-se menos uma pessoa e mais como um animal de estimação; como um dos vários pugs que a a mãe de Sissy, Harriet, tinha, que mijavam nos cantos do corredores e que faziam o ato de desviar-se de fezes pequenas uma missão difícil (a Sra. Huntington nunca repreendia os pugs, e as criadas nunca reclamavam, sempre ajoelhadas, esfregando cocô de cachorro dos tapetes da casa).

— Aqui vai ser seu lar — Sissy dizia. E Laura mordia a língua para não retrucar: Não. Meu lar é outro. Meu lar é um lugar em cinzas.

Que mistério era o fogo: de um dia para o outro, de uma noite para o amanhecer, o fogo apagara o lar de Laura, sua vida pregressa. Engolira sua casa, seus pais, e deixara apenas a menina—como se Laura, só uma criança, não fosse digna de seu apetite.

Ela lembrava-se tão pouco de tudo. Memórias de acordar numa cama desconhecida—na casa de alguém do vilarejo próximo à mansão. Uma senhora de aspecto gentil, que limpara Laura; que dissera que ela fora encontrada perambulando pela estrada, só de camisola, chorando e tossindo.

— Fumaça. Fumaça deve ter ido pro seu cérebro, e é por isso que você se recorda de tão pouco — o médico que a examinara havia dito. O médico que tratara da queimadura deixada na perna de Laura—que a fazia gritar de dor—, antes que ela fosse despachada ao parente mais próximo: George.

George Huntington não achara um meio de manter Laura, no entanto: o testamento de Rudolph era claro, e a criação de Laura deveria ficar sob encargo de seu padrinho, um homem que ela nunca tinha visto: Sir James William Whitney, alocado, no momento, na Escócia. Aquele estranho jamais mandara uma carta para Laura. Nunca a visitara. James William Whitney. Seu nome era um estranhamento, que Laura não associava a nenhum dos rostos que conhecia.

A coroa partidaOnde histórias criam vida. Descubra agora