Não se mistura mágoa, álcool e música ruim.

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— É como se a minha casa ainda estivesse assombrada por ele. Eu sinto a presença daquele cara em todos os cômodos que eu entro. E quando eu acordo de manhã parece que tem uma sombra escura no lado em que ele deitava na nossa cama — falei olhando em direção ao homem atrás do balcão.

Passei a frequentar esse barzinho há alguns dias. Posso dizer que já tornou-se parte da minha rotina vir aqui, sentar no mesmo banquinho, tomar a mesma bebida e conversar com qualquer pessoa que estivesse disposta.

O Seu Aldo começou a me encarar enquanto servia a água no meu copo. Hoje eu já estava na segunda garrafinha da noite, o que significava que estava ali há algum tempo.

— Por que ta me olhando assim? — Lhe perguntei, devolvendo aquela encarada.

Ele parou de encher meu copo e lançou a encarada sobre a garrafa. Fazia pouco tempo que eu vinha aqui, mas praticamente consegui ler seus pensamentos. Ele estava, sem dúvida nenhuma, se perguntando se havia a chance de ter me servido qualquer bebida alcoólica no lugar da água.

— Eu não estou bêbada — repliquei.

— Então você ficou louca.

Minha vontade foi gritar que eu não estava louca! Porém, temos que ser sinceros, aqui apenas uma pessoa louca iria gritar no meio de um bar e eu não estava muito bem da cabeça esses últimos dias. Fiquei quieta, de um jeito que não costumo ficar, principalmente quando estou aqui.

— Sabe uma coisa garota? Eu me lembro muito bem da primeira vez que você entrou por aquela porta — ele disse, erguendo o dedo gordinho para a entrada do bar — E acho que dessa vez, você está mais doidinha do que naquele dia.

Eu também me lembrava. Não é que eu estivesse doidinha naquele dia. Acontece que a única coisa que tudo que pensei enquanto descia o elevador de casa era quanto tempo precisaria dirigir até chegar em qualquer barzinho de São Paulo. Obviamente, sabia que essa ideia nunca poderia dar certo e eu, sendo quem sou, tinha plena consciência disso.

Ir para um bar não tinha como ajudar. Não se mistura mágoa, álcool e música ruim. Mas eu não estava aqui pelo álcool e a música ruim poderia ser ignorada e ser apenas um lembrete de onde eu estava. Quando eu era mais nova, naquela época em que tudo que pensamos é ir para festas, minhas amigas me alertaram: "Bar com música ao vivo só serve para duas coisas: encontrar um ficante ou superar um chifre". Acontece que dessa vez não era um chifre que precisava ser superado (o que não era extamente a situação), mas o sentimento residual era similar. Então acho que vai funcionar igual.

Foi assim que acabei estacionando na primeira vaga, na frente do primeiro lugar de onde saia o som das bolas de sinuca sendo encaçapadas.

Não vou mentir. Algo sempre me disse que a história terminaria desse jeito. Joguei minha bolsa em cima do balcão e afundei meu corpo na primeira banqueta.

Uma mulher de cabelos ruivos se virou quando fiz isso.

— Posso servir uma bebida?

Apoiei meu rosto nas mãos e movimentei a cabeça. Ela colocou um copo na minha frente, mas não o encheu com nada. Acho que estava esperando que eu indicasse o que eu queria beber. Em algum momento ela se cansou de esperar e saiu, provavelmente indo servir algum cliente de verdade.

Precisei de um tempo antes de tentar pegar o copo que estava na minha frente. Era um movimento fácil, uma distância curta, porém minhas mãos molhadas pelas minhas lágrimas tremiam por causa dos meus ombros que sacudiam enquanto da minha boca escapavam soluços. Uma parte de mim estava fugindo nesses movimentos.

Dessa vez, um senhor parou na minha frente. Bem, dizer senhor era quase um elogio para ele. O homem me lembrava de alguma forma um marinheiro, com a barbinha bem branca e o cheiro de álcool presente na atmosfera que o cercava.

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