Do escritório até a casa eram alguns quilômetros, ela tinha insistido em morar em um bairro residencial mais isolado." Lá é mais calmo, ninguém vai bisbilhotar nossa vida", foi o que ela disse para me convencer e, como nosso casamento foi arranjado e nunca tive a menor vontade de ficar ao redor dela, eu concordei.
Os nós dos meus dedos estavam brancos por causa da força que segurava o volante. Afundei o pé no acelerador, tinha ido a duas casas diferentes antes de raciocinar que ele se referia a minha casa, a nossa casa. A casa onde ela morava. O celular dela continuava caindo na caixa postal, só conseguia pensar no que aconteceria com o acordo se ela se machucasse. Valentino me mataria. Valentino mataria qualquer pessoa que machucasse sua preciosa neta.
" Se alguém tocar num fio de cabelo da minha pequena Angel, você é um homem morto".
A imagem dela sorrindo apareceu na minha mente. Angel sempre foi boa comigo, menos quando quebrou o nariz de Somin ao encontrar ela no meio da nossa sala.
"- Onde está o anjo agora, Marjorie?
- Ainda está aqui, Seonghwa! - ela falou calma e inexpressiva, apontando para si mesma - Não se esqueça que Lúcifer também era uma anjo!"
Costurei por entre os os carros, respirando fundo. Ela estaria bem, tinha sido só mais uma ameaça vazia, como tantas outras que eu tinha recebido. Marjorie estaria no escritório, com o nariz enfiado nos contratos e processos que, cada vez mais, tomavam o tempo dela. Ela ia sorrir pra mim e faria piada de mim depois. Larguei o carro na entrada da rua, uma van estava atravessada, impedindo a passagem. Corri desesperado, minhas pernas queimavam, eu fazia exercício, mas não era como aquilo. A casa ficava no alto do morro, cercada por duas casas vazias, que eu mesmo tinha comprado para garantir a privacidade. Big mistake, hugh! Um carro preto estava parado na porta da casa, respirei aliviado por um segundo, até que os dois seguranças dela saíram correndo da casa, acelerei o passo. Cheguei ao portão ao mesmo tempo que ela chegou à porta. Os olhos dela se arregalaram e ela estendeu o braço para que eu parasse, ignorei ela. O som foi alto. Eu voei, ela voou. Ela foi jogada para dentro da casa, a estrutura caindo sobre ela. Eu e os seguranças fomos jogados do outro lado da rua. Os seguranças me impediram de entrar na casa, até que as explosões menores diminuíram.
- Ou me soltam ou mato vocês!
Falei entredentes e eles me soltaram, disparei para a casa. Ela estaria na sala, não tinha como ela ter sido jogada mais longe. Marjorie estava, literalmente, no meio da sala. O desespero cresceu no meu peito, agachei ao lado dela, tirando os pedaços de madeira e concreto. Tudo estava destruído, minhas mãos iam sendo queimadas, por causa dos destroços ainda incandescentes, aquilo não importava, não agora. Eu precisava tirar ela dali. Eu precisava ter certeza que ela ainda estava viva. Marjorie tinha cinzas e sangue espalhados pelo rosto. Gritei os seguranças para me ajudar a tirar uma viga pesada de cima dela. Cai, assim que jogamos a madeira longe, gemi de dor ao ver um pedaço de metal saindo da lateral do corpo dela, não teria como tirar ela daí. Enfiei as mãos nos cabelos, derrotado.
- Por favor, esteja viva, por favor, esteja viva - pedi a qualquer força superior que pudesse me ouvir, me abaixando para ver se ela ainda respirava - Vou tirar você daqui, baby, você vai ficar bem.
Com cuidado puxei o fichário que estava debaixo dela. Nosso álbum de casamento. Ela tinha protegido nosso álbum de casamento.
"- Por que você tem essa merda guardada?
Falei jogando o álbum nos pés dela, numa das poucas brigas que tivemos. Ela se jogou no chão desesperada, juntando as fotos e colocando dentro do álbum.
- São memórias, babaca! - ela gritou comigo - São minhas memórias, boas ou ruins, minhas são minhas memórias, Seonghwa!"
~~x~~
- Sua mulher veio aqui hoje! - minha mãe falou saindo do escritório do meu pai, me senti, imediatamente, exausto - Ela levou as roupas delas!
- As roupas dela foram destruídas na explosão, Omma!
- Me deixe reformular: ela levou TODAS as roupas dela!
Subi a escada de dois em dois degraus, escancarando a porta do quarto destinado a ela. Ele estava vazio, as portas do armário estavam abertas, não havia uma só peça ai, xinguei baixo, pegando meu celular, ela não me atendeu, aquilo não me surpreendeu. Não tinha conseguido falar com ela desde que ela saiu do hospital, não estava preocupado, na realidade, ela estava com o irmão, o que deixava tranquilo.
Sentei na minha cama, massageando as têmporas. As relações com a família dela estavam complicadas, para dizer o mínimo. Valentino queria a cabeça de quem tinha tentado matar sua preciosa neta, ele queria a minha também, porque deixei acontecer. Olhei para a foto de cabeceira, era o dia do nosso casamento. Marjorie tinha um sorriso pequeno e os olhos vermelhos, eu tinha sido um babaca com minutos antes da cerimônia, mesmo assim ela fez o papel dela, sorriu e agradeceu a todos, repetindo o ato depois da cerimônia na Itália. Meu olhar caiu sobre o anel de ouro sobre a mesinha de cabeceira, ela tinha deixado a aliança ali. Meu coração parou de bater, enfiei o anel no bolso, revirando o quarto atrás do presente de noivado que ela tinha me dado. Ela não podia ter levado ele, ela tinha me dado, ele era pra minha proteção. Mas ele não estava ali, a realidade me atingiu com tudo. Marjorie estava me deixando, ela não iria mais voltar, eu não ia mais vê-la sorrir para as crianças que a cercavam toda vez que íamos ao projeto social ou ao orfanato, não iria mais ter que segurar o riso toda vez que ela me dava um pequeno beliscão no meio da missa de domingo. Ela estava me deixando. Ela tinha me deixado. Quebrei tudo que vi pela frente, cortando e machucando minhas mãos, que ainda estavam se curando das queimaduras da explosão. Minha respiração ficou descompassada, me apoiei na parede ao lado da cama, caindo no chão, apertei a aliança na palma da minha mão, que ficou manchada de sangue. Não costumava chorar, mas estava chorando, meu peito doía muito, como se alguém estivesse o espremendo.
- O que aconteceu aqui? - levantei os olhos para ver minha mãe na porta com um olhar preocupado - Seonghwa, o que aconteceu?
- She is leaving me - minha voz saiu fraca demais, minha mãe veio até mim se sentando na cama - She left…
- O acordo… não podemos deixar isso…
- QUE SE FODA O ACORDO, MÃE!- gritei com ela, ficando de pé, ganhei um tapa no rosto como resposta - Marjorie… ela…
- O acordo é o mais importante, seu idiota! - ela ralhou comigo - Seu casamento foi e é unicamente para concretizar o acordo entre as famílias!
- Mãe...
- Resolva essa merda antes que eu resolva pra você!
- Você não escutou o que eu disse? Marjorie me deixou, ela foi embora!
- E daí? Você nunca foi uma marido para ela! - a verdade doeu - Só precisa fazer com que não peça o divórcio nos próximos 36 meses!
- Não é como se eu pudesse obrigar ela a fazer isso!
- Marjorie tem um senso de dever com a família maior que seu, imbecil! Os italianos tem essa ideia romântica - minha mãe nunca tinha gostado dela, só tratava minha esposa bem por causa do dinheiro que a Cosa Nostra trazia - Se fizer um filho nela, melhor ainda!
- Mãe!
- Não aja como se se importasse, apenas aja como um homem de negócios e resolva isso!
Ela me deixou sozinho no quarto, encarando a aliança na minha mão.
- But she is leaving me…