Capítulo I

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Decidi mudar de vida. Um dia, apareci no escritório da minha família, parei no meio da sala do meu pai, o dono de tudo aquilo, e pedi demissão. Todo mundo me olhou como se eu tivesse enlouquecido. Talvez eu realmente estivesse perdendo a cabeça, mas tinha certeza de que o causador de tudo o que me perturbava era aquele escritório, os meus pais, meus irmãos... tudo! Então, quando não aguentei mais, joguei a vida estável e segura que eu conhecia para o alto.

Meu irmão mais velho disse que eu estava sendo impulsivo; minha mãe, que eu era muito mimado. Meus outros dois irmãos não comentaram nada, mas eu sabia que achavam que eu logo voltaria atrás, porque para eles, não existia outra vida senão aquela. Mas despertei daquele transe, que os nossos pais nos colocaram desde que éramos garotos, e fui embora torcendo para que eles um dia também acordassem.

Quanto ao meu pai, ele não quis aceitar o meu pedido, porque pensava como os meus irmãos, e claro, especialmente como minha mãe. Discutimos como nunca, porque eu sempre abaixava a cabeça e aceitava tudo o que ele dizia, mas não dessa vez. Me impus e fui tratado como lixo. Ele disse que se eu me atrevesse a deixar a cidade como disse que faria, poderia esquecer o apoio dele para qualquer coisa. E como não estava mais contando com o dinheiro dele há muito tempo, dei as costas e fui embora.

Tecnicamente, quando desci do meu carro cheio de malas, dias depois, eu ainda estava empregado no escritório de advocacia do meu pai. Não me despedi de ninguém, porque não sentia que devia. Nunca tive o apoio e o carinho de nenhum deles, e era óbvio que com a decisão que tomei é que não ia começar a ter. Logo eu seria deserdado daquela parte da família Duarte, mas isso não me causou nenhuma tristeza quando parei em frente a porteira de madeira e olhei para cima, onde um arco de ferro segurava uma placa bonita que tinha o desenho de vários cavalos correndo entre as letras que formavam o nome que o meu tio tinha colocado naquelas terras com tanto orgulho. "Fazenda Olimpo", quando li, sorri aberto, sem me preocupar com nenhum problema pela primeira vez em muito tempo.

Abri a porteira e voltei para o carro. Precisei descer de novo para fechar, mas não me irritei como normalmente teria me irritado. Não tinha pressa. Não havia nenhum cliente de caráter duvidoso me esperando para ser defendido no tribunal. Eu estava livre, e esse pensamento me fez ficar ainda mais contente enquanto dirigia pela estrada de terra e admirava a vista.

Tive que admitir, o nome que o meu tio escolheu para aquele lugar não era nem um pouco exagerado. Era uma fazenda enorme, que não podia ser visitada por completo em apenas um dia, mas a primeira visão já despertava uma sensação incrível de estar em um paraíso. O vasto campo gramado, o céu azul sem poluição, as árvores, o lago que podia ser visto de longe, mas brilhava com o sol para ser notado entre tantas outras belezas. Parecia um sonho, e para mim, fazia parte de lembranças tão distantes que haviam retornado para mim como fragmentos que eu queria muito preencher com novas experiências.

O pouco que me lembrava da fazenda, era de sempre estar com o meu tio Samuel e a minha prima Manuela. Nós tínhamos a mesma idade e adorávamos andar a cavalo com o meu tio, que era sempre gentil comigo. Da minha tia, me lembrava pouco, mas tinha lembranças dela distante quando eu estava por perto. Me olhava sempre com suspeita, mas do quê, eu nunca soube. Parecia inquieta quando eu me aproximava, por isso raramente tentava falar com ela. Era a única lembrança nítida que eu tinha, e à medida que meu carro se aproximava da casa principal da fazenda e recuperava uma nova minúscula memória, acabei entendendo um pouco daqueles olhares. Não me entristeci, mas me preocupei com aquele lugar pela primeira vez.

Os tempos eram outros e eu não queria ser um ignorante que achava que por ser um lugar muito afastado da cidade, aquelas pessoas não haviam evoluído. Mas também não era idiota ou inocente para achar que não me olhariam como a minha tia, que provavelmente suspeitou que eu era gay antes mesmo do que os meus próprios pais.

Herdeiro Do Olimpo (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora