Capítulo II

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— Dona Mariana, a senhora tem um minuto? — Perguntei na entrada da cozinha. Ainda era cedo e ela estava preparando o meu café da manhã, mas eu tinha urgência, e quando se virou para mim, Dona Mariana percebeu isso e me olhou com uma seriedade parecida com a minha.

— Claro. — Ela balançou a cabeça enquanto secava as mãos no pano de prato que tinha no ombro. — Pode me chamar de Dona Mari, todo mundo me chama assim.

— Tudo bem. — Sorri fraco e ela fez o mesmo. Andamos juntos até o escritório que era do tio Samuel, mas não aguentei calado e olhei para o lado no meio do caminho. — A senhora cuida da casa, mas conhece a maioria das pessoas na fazenda, não é?

— Conheço todo mundo, na verdade — disse ela. — Eu faço o almoço pra eles no casarão que o seu tio fez pra Manu quando vinha de visita.

— Você tem contato com os animais? — Perguntei quando abri a porta do escritório e dei passagem para ela entrar primeiro. Dona Mari me olhou com estranheza, mas não comentou nada e entrou e se sentou na cadeira que indiquei, em frente à mesa onde passei metade da minha primeira madrugada naquela casa.

— Ora, sim, mas não vou muito longe; não tenho saúde pra ficar andando tanto. — Dona Mari riu sem jeito, mas eu não estava com bom humor para jogar papo fora.

Fiquei com pena quando ela se calou, mas o que eu tinha para falar era muito importante e estava me deixando furioso antes mesmo de receber uma explicação. E tudo piorou quando me sentei do lado oposto de Dona Mari e olhei para baixo e vi a tela do meu celular brilhando com o nome do meu irmão mais velho. Respirei fundo e virei o celular. Eles obviamente já estavam sabendo, e tive certeza de que enfim seria deserdado pelo meu pai. Mas isso não me afetou tanto quanto os papéis que estavam sobre a minha nova mesa. A raiva do meu pai era esperada, mas não uma traição como aquela.

— Dani... eu acho que sei do que você tá falando, mas vou ficar brava se ficar de suspense, como se suspeitasse de mim — ela disse, chamando minha atenção. Estava muito séria e apesar do que falou, pude notar que já estava brava comigo, e eu me senti um idiota por ter tentado ser cauteloso, mas acabei sendo mal interpretado.

— Não é isso — disse imediatamente, mas não fiquei menos sério. — É o contrário. Porque eu só confio na senhora, quero saber se você pode me ajudar a entender como o número do gado diminuiu cinco por cento depois da morte do meu tio. — Dizer em voz alta me trouxe mais revolta enquanto eu mexia nas notas. — Quem autorizou estas vendas? E mais: quem recebeu o pagamento que não consta em nenhum destes papéis? — Alterei minha voz sem notar, mas Dona Mari não pareceu surpresa, nem assustada e por um instante, pensei ter me precipitado em confiar totalmente nela. — Você parece saber, então não vou fazer mais suspense: o que está acontecendo aqui, Dona Mari?

Ela se recostou na cadeira e não demorou pensando. Soltou um suspiro pesado e me olhou com o que parecia ser tristeza.

— Não sei com detalhes, mas sei que uma parte da peonada tão de aproveitamento desde que ficamos sem patrão. Eu não sei quem faz parte desse grupo de safados, mas tenho certeza que ele existe. — Dona Mari apoiou a testa na mão e balançou a cabeça de um lado para o outro. — Que vergonha, que desrespeito com o Samuel, que só fazia o bem pra todo mundo! Eu queria poder parar com essas coisas, mas não entendo nada de conta e não sei o que fazer pra provar o que digo, porque eu só escuto as conversas na cozinha. Samuel me deixou no comando da casa, não da fazenda, então só me ouvem aqui dentro; lá fora, tá tudo abandonado. — Ela levantou o olhar e se inclinou para deitar os braços na minha mesa. — Mas você tá aqui agora, Dani, e vai resolver isso, não vai?

— Sim, é claro — respondi sério, mas por dentro, me sentia um pouco culpado por ter suspeitado dela.

Depois de quase sete anos de profissão, lidando com as mentiras e verdades dos meus clientes, eu sabia julgar uma pessoa verdadeiramente desesperada por justiça, e Dona Mari claramente era uma. Mas não me acalmei com a ideia de que ela realmente era a única com quem eu podia contar. Fiquei mais bravo ainda. Tudo aquilo estava acontecendo livremente, porque não tinha ninguém para vigiar. A desonra ao nome do meu tio era grande, e eu não podia deixar aquilo passar.

Herdeiro Do Olimpo (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora