Capítulo 19

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Clarice fowler

Desavenças internas, alfinetadas por toda parte e uma garota com o braço partido ao meio no período pré-competição. Minhas expectativas estavam sendo arrastadas por uma avalanche de azar e eu, carregada por ela.

Logo depois do infeliz acontecimento na pista de atletismo, Emma e eu fomos levadas às pressas até a enfermaria do campus, o esperneio da garota juntamente com o desespero coletivo mais pareceu um episódio de uma série de terror, cuja cena continuava se repetindo no meu subconsciente de forma constante. Na saleta que assemelhava-se à um almoxarifado, devida a quantidade de caixas empilhadas, foi recomendado pelo enfermeiro Joe - enfermeiro e aspirante a fisioterapeuta do time de basquete - que fossemos imediatamente ao hospital para tratarmos da lesão com a seriedade que ela exigia, então, tudo que ele fez foi fornecer gelo e absorventes internos para conter o vazamento das minhas narinas, que não paravam de sangrar, embora muito menos do que antes.

Acontece que no mundo das líderes de torcida, nem tudo que aparentava ser glamuroso, realmente era, ainda mais para quem ocupava o cargo de capitã, posição essa que reflete uma grande carga emocional e de responsabilidade enúmera quanto às expectativas, arrisco dizer que é como estar sempre entre a glória e a vergonha, entre o bem e o mal.

Acompanhei minha colega de equipe até o ambulatório e, enquanto a mesma recebia cuidados médicos, preferi aguardá-la na recepção hospitalar, na esperança de me sentir menos culpada por seu estado.

— Senhora Thompson? – Chamei-a quando a vi cruzar pelo corredor, sua pressa fazia com que o som inconfundível de seu tamanco ecoasse. — Oi, senhora Thompson!! – Gritei-a novamente, até ser avistada. — Eu não sabia que a senhora viria!!

— Não sei o que te fez imaginar, pelo que eu me lembre, essa equipe ainda é minha! – Respondeu, arisca. Bem, para um bom entendedor, meia indireta basta! Não foi preciso mais que isso para eu saber que minha situação não estava nada boa.

— Eu sei que a circunstância pode parecer desesperadora, mas se for o caso, podemos substitui-lá e tamb... – Fui cessada novamente pela sua rispidez.

— E mais nada! Vá embora, volte para casa e converse com o que sobrou de vocês! Assim que essa menina for liberada eu a levarei de volta, vou dar um jeito nessa bagunça!! – Reiterou com rubor. — Clarice, quando eu escolhi você para ser o meu braço direito, ser meus olhos entre elas, foi porque eu confiei na sua experiência, mas agora eu vejo que pode ter sido um erro, o maior que cometi nos últimos anos!! – Confessou. Minha nossa, eu não acredito que mesmo depois de tudo, eu ainda tive que ouvir isso e, embora fosse um absurdo, por outro lado ela tinha razão. Talvez eu tenha surtado o bastante para ter entrado na onda do August e sem perceber, acabei jogando tudo para o alto. Não dei resposta alguma, fiz o que me foi ordenado e voltei para casa, o que na hora não pareceu ruim. Meu uniforme estava coberto de sangue e, mesmo que fosse meu, eu estava louca por um banho.

***

Assim que cheguei, fui bombardeada de perguntas, tanto que mal consegui entrar direito em casa. Samantha foi a primeira a vir ao meu encontro, todas queriam notícias de Emma e estavam receosas com o grau de sua lesão, mas no fim nem eu sabia ao certo.

— A senhora Thompson está com ela, logo estarão de volta e vocês poderão saber com propriedade! – Falei, certa do que estava por vir. — E também, pode ser que haja uma reunião de substituição e eu gostaria de dizer que se esse for o desejo de vocês, peço que o façam! A confiança é o pilar que nos sustenta e eu quebrei a de vocês!! – Me virei para retornar ao meu dormitório, mas antes disso fui levada para um canto por Samantha, ela tinha algo para me dizer, sobre Agnes. 

— Como você está? – Perguntou em tom de fofoca.

— Bem, eu só preciso descansar… – Reparei. — Em um caixão!!

Percebi que minha amiga reteve sua vontade de rir.

— Ótimo, então eu acho melhor deixar isso para uma outra hora, tem alguém te esperando lá no quarto! – Assim que notou minha expressão de reprovação, ela continuou. — Eu o mandei embora, mas ele ficou insistindo! – Revirei os olhos com tanta força que eles poderiam ter se perdido em suas órbitas facilmente. — Passe no da Agnes primeiro, ela foi humilhada de um jeito que até eu fiquei com dó!!!

— Nada que ela não tenha merecido, mas não vou entrar nesse mérito!! – Deixei-a falando sozinha e segui caminho até o corredor, ponderei ao passar pela porta de Agnes e mesmo relutante, decidi bater, mas, quando me identifiquei, ela pediu que eu a deixasse em paz e se recusou a abrir. Como não fazia diferença alguma para mim, não insisti, pelo contrário, até achei melhor.

Era hora de encarar um outro problema.

— Clarice!! – August ergueu-se rápido quando entrei com ansiedade no quarto, ele estava sentado na minha cama. — Eu trouxe isso para você! – Por reflexo, ergueu um buquê de flores e uma pelúcia.

— Um nariz ou um braço novo teria mais utilidade!! – Retruquei, pegando os objetos de suas mãos e colocando-os na escrivaninha. — O que você quer, Waddell? Não acha que já fez estrago o suficiente?

— Você sabe que eu não fiz por mal, foi a emoção do momento e vocês também não deveriam estar tão perto!!! Você sabe, Clarice! Eu não faria nada propositalmente para machucar ou prejudicar vocês, principalmente você!

— Igual quando você entregou o nosso ginásio de mão beijada para as meninas do vôlei? – Relembrei. — Você é o único e grande culpado por tudo isso, o coitadinho do August Waddell, sempre tão injustiçado!! Você acha que pode consertar tudo com um sorrisinho, tal qual um admirável milagre da natureza, mas as coisas não funcionam assim!

— O que está escrevendo? – Observou que eu pretendia trocar o cartão das flores.

— O que você acha? Vou dar isso à quem realmente merece, a propósito, o nome dela é Emma, a garota que teve o braço quebrado por você! – Por saber que eu estava certa, ele não se atreveu a dizer nada. — Embora ela não seja a única por aqui que você tenha machucado, mas quem se importa, não é mesmo?

— Eu já pedi desculpas a você, o que mais você quer que eu faça, que eu me ajoelhe? – Expressou-se com tenacidade!

— Eu estava me referindo ao que você fez com a Agnes! Mas, já que perguntou, eu quero que você vá embora e que nunca mais troque uma única só palavra comigo, que desvie quando passar na mesma calçada que eu! Você me humilhou duas vezes, uma em Pasadena quando me deixou para trás e
outra aqui, exibindo essa garota para que todos pudessem ver e rir da minha cara! – Minha voz soou como uma mistura de tristeza e ódio.

— Eu fiz o que eu achei certo para mim, sei lá!! Eu não queria me apaixonar por você, e ainda não quero, seria um erro!!!

Ele então me olhou nos olhos, fazendo com que meu coração pesasse de raiva. Não sei por qual razão, mas ele gostava de me ver assim, vulnerável.

— Então eu sou um erro? – Esbocei um sorriso tímido, com pesar. — Vá embora, August, por favor!!! – Abri a porta do quarto para que ele pudesse sair. — E não volte nunca mais!

— Me apaixonar por você seria um erro, Clarice!! Eu só não disse que em alguns casos, eu adoro errar!!

*

Jogada idealOnde histórias criam vida. Descubra agora