PRÓLOGO

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O mundo já não é mais o mesmo, desde que achei aquele bendito livro perdido, a minha vida nunca mais foi a mesma, nem a minha, nem a dos meus amigos, descobri uma outra realidade, responsabilidades, guerra. Isso é confuso para uma garota. Com tudo de ruim que aconteceu a minha volta, aprendi somente uma coisa: para conseguirmos algo é necessário uma renúncia. Fui egoísta para te deixar ir, e covarde demais para viver com isso, conviver com algo que você mesmo causou, é carregar uma culpa incurável, um buraco que não à como preencher. É sobre amar as lembranças, e odiar a despedida. Para que você não veja a tristeza em meus olhos. Que a tristeza me chama para dançar sempre que lembro do seu sorriso. Basicamente eu irei me esquecer de tudo que vivemos ao fechar este livro. Algo que mexe comigo e que muitas bruxas busca: a vida. Uma pena que essa chegou ao fim. Uma lembrança que foi apagada, mas uma dor que permanece. Seu fantasma me assombra ao anoitecer, sempre nas noites frias, me resta apenas um maço de cigarro, sua música predileta e uma taça de vinho. Um completo desconhecido se deita na minha cama, mas a memória do que éramos, fará eu te enxergar em todos os caras que sair, não adianta, nunca será você.
Iniciando minha vida com meus avós. Morava em Nova York, confesso que foram os anos mais felizes da minha vida, eu não me importava com a ausência dos meus pais, até chegar em uma certa idade e nunca entender por que meus pais nunca aparecerem em uma apresentação da minha escola.
"Não me importava."
Pelo menos era o que eu pensava.
Meu avô Charlie me dizia que meus pais trabalhavam muito e que não teriam tempo suficiente para cuidar de mim. Eu era uma garota de cinco anos, qualquer coisa pra enganar uma criança curiosa e entusiasmada. Eu recebia cartas nos feriados e aniversários. A minha vó, Rosy, cuidava muito bem de mim, eu adorava suas panquecas de fim de tarde pós escola. Foi ela que me ensinou o que Alysom, minha mãe de sangue nunca ensinou. Digamos que foram os noves anos mais incríveis da minha vida. Um certo dia essa alegria veio ao fim, quando Charlie encontrou minha vó desmaiada em seu banheiro de madrugada. Eu não entendi quando vi aquelas sirenes, ambulância, na frente da nossa casa. Apenas tinha medo, ver minha vó inconsciente em cima daquela maca sendo carregada por aqueles homens de branco me trouxe uma sensação de medo e desespero. Na mesma noite os médicos disserem ter sido um AVC, e ela não resistiu, disse para que sejamos fortes. Foi uma das primeiras coisas que não conseguir lidar. ⎯ não era como andar de bicicleta ou cair de um degrau mais alto de uma escada. Era lidar com uma dor interna. O velório aconteceria no cemitério Woowdlawn que ficara poucos quilômetros do hospital, e poucos metros de casa.
Dias se passaram e eu sentia sua falta. Me trancava no quarto e chorava todas as vezes que me via uma lembrança dela. Evitava que meu vô me visse daquela maneira. Todas as noites eu chorava bem baixinho. Eu precisava me manter forte. Os anos foram se passando. E a dor se tornou uma lembrança boa, um sentimento de paz e certeza que onde ela estiver, a luz que permanecia nela, brilharia dentro de mim de alguma forma.
Meu avô vendeu a casa, e decidimos iniciar uma vida nova em Philadelphia. Muito diferente de Nova York. Ele cuidou de mim até meus treze anos. Não, ele não me abandonou em nenhum momento. Pelo contrário, se manteve ainda mais presente. Numa quarta feira ensolarada, meus pais estavam assentados sobre a mesa com meu avô, conversavam seriamente, e assim que entrei, cessaram a conversa ficando em total silêncio, ⎯ essa não. ⎯ eu já imaginei. Viveram me buscar. Eu nem os conhecia, chorei como uma criança quando vi minhas malas dentro do carro deles, eu não tive opção ⎯ vai ser divertido Ayla, eu prometo. Essas foram as últimas palavras do meu vô me vendo chorar dentro do carro do meu pai. Me lembro apenas de sua mão no vidro do carro. E também me lembro do carro se distanciando cada vez mais. E ele acenando com dificuldade.

West Roxbury, 15 de setembro.

Eles moravam um pouco distante do meu avô. West Roxbury, localizada em Boston. Ficava algumas horas de Nova York, então eu só via ele em alguns feriados e aniversários. Meus pais não gostavam de quando eu queria visitá-lo. Todas as vezes que eu tinha um tempo livre e claro quando eles saiam juntos, corria de imediato para fazer uma ligação. Contava as novidades e o que os meus pais não tinham tempo de ouvir. Meu avô foi um bom homem, digo isso porque uma certa noite, eu desci para ligar. E nessa noite não foi nada divertida, notei algo diferente quando discava seu número, minha intuição sempre foi forte, mas eu resolvi ignorar. Disquei e uma mulher atendeu. Era Sofie uma grande amiga nossa.
⎯ Meu vô está? ⎯ pergunto entusiasmada com o telefone em mãos.

⎯ Ayla ... ⎯ sua voz está trêmula, parecia que já havia chorado antes. ⎯ Acabei de receber uma ligação do hospital, seu avô sofreu um acidente. Uma parte da janela acertou seu estômago e lhe causou uma hemorragia interna. ⎯ suspira. ⎯ Eu sinto muito.

É, aquilo me doeu, fiquei imóvel por segundos. Sofie chamava pelo meu nome, eu não respondia. O telefone escorrega da minha mão, e por fim a lágrima escorria. Não foi fácil, a dor se tornou meu maior alvo desde então. Não fui no seu funeral, mas meus pais foram, eu não tinha ideia de como reagiria a ver uma pessoa que tanto amei deitada em um caixão. Noites e mais noites em claro, até que essa dor se tornou mais uma lembrança. Por alguns anos eu tentei me simpatizar com eles. Mesmo sendo difícil, apenas meu pai, Richard, Richard Jones, advogado e atencioso. Eram rígidos em questão dos estudos. Já minha mãe, Alysom, é médica e nunca se esforçou para ser tão próxima a mim, deve ser por isso que não conseguir chamá-la de mãe. Até onde eu me lembro, Alysom ama sua profissão e é isso que ela quer para mim, uma médica como ela. Eu estudava até esquecer que tinha vida social, eles faziam muita questão das minhas amizades, eu não havia escolhas ou opinião, ela me moldou como quis. Haviam no mínimo trinta e oito regras quando criança. A vida que eu tinha, mudou muito, a menina sorridente e feliz, se tornou a garota que vive com a cara nos livros. Não os dava motivos para tamanha desconfiança, mas na minha cabeça, ser daquele jeito estava certo, eles só queriam meu bem, afinal a preocupação é um sinal de afeto.

[...]

Os nos foram se passando, e hoje tenho dezessete anos. A sua vida só é feliz quando você é criança e não percebe o quanto seguir uma rotina adulta é exaustiva e pesada. Aceite a realidade ou viva numa vida fantasiosa que só existe na sua mente.
O dia amanhecera na pequena cidade de West Roxbury. Está nublado, uma neblina que cobre a cidade por inteiro. Apesar de já morar por aqui há um tempo, as vezes não compreendo o clima por aqui. O abalo de ter perdido minha vó e dois anos seguinte o meu avô, trouxe alguns problemas na adolescência, problemas do tipo: ter medo de conhecer outras pessoas e ter afeto e acabar me machucando da mesma forma como perdi meus avós. ⎯ por que não sentir nada pelo resto da vida? No colegial, eu era estranhamente reservada. E as pessoas não entendiam. Era chamada de "esquisita" ou "bruxa." Não tive experiências boas com os bailes de primavera, todos os anos faziam um baile no meio do ano. ⎯ nunca me chamaram para ir ao baile. E ouvia sempre um: ⎯ Essa garota? Fala sério? Me olhavam de um jeito nojento, era como se eu fosse um vírus contagiante, buscava entender o que tinha de errado comigo ⎯ meu cabelo, ou meu corpo muito magro? Isso fez com que eu crescesse insegura e ⎯ Impossível de lidar. Como diziam meus pais." ⎯ Você está muito magra" "⎯ Mude sua forma de se vestir" "⎯ Tome esses remédios, neles contém algo que te fará engordar." Dentre outras coisas que ouvi durantes os anos. Você jamais me verá de roupa justa. Biquíni? É um pesadelo. O pior é ouvir de quem deveria nos proteger, são os primeiros a lhe dizer isso. Aos quatorze anos minha mãe, Alysom, me passou por duas psicólogas. Se ela não conseguia me entender, iria atrás de profissionais que pudessem entender meu "erro" que só desenvolveu quando morei com eles. Foram os dois anos mais longo de terapia. Fui diagnosticada com transtorno de personalidade antissocial e transtorno afetivo bipolar. E todos os dias depois da aula, Alysom, me levava na clínica, até que eu entrasse no ensino médio. Onde deixei meu medo de lado e resolvi me dar mais uma chance, ou amenos tentar. Quero ao menos ter uma chance de ter uma memória boa, não quero ser fracassada ao ponto de chorar ao lembrar da escola.

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