Prólogo

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Rodo a chave, aperto a embreagem e troco de marcha enquanto acelero,Graciosa ruge como uma Ferrari, fazendo todo o carro tremer, sinto-me como seestivesse prestes a correr em uma Fórmula 1, acelero mais um pouco, até o talo, e porfim saio do lugar, há fumaça saindo pelo carburador, mas nada que vá poluir o mundo.Me despeço da minha vizinhança conforme vou ganhando velocidade. A liberdade meatinge e a sensação de leveza predomina o meu peito. Minha cabeça não dói mais, semcontar que sinto que o melhor momento da minha vida ainda está por vir.Só precisa aguentar mais um pouco, Thalya.Conforme vou agilizando a velocidade troco a marcha em seguida, a janelaaberta faz com que meus cabelos balancem loucamente. Ao pagar meu primeiro pedágiome sinto falida, mas tudo certo, é só o começo da jornada. Tudo será diferente, nãocometerei os mesmos erros, não deixarei que ninguém pise de novo em mim, sim, nadame fará passar noites e mais noites chorando com medo e solitária. Foi difícil pra caceteeu entender que merecia mais do que me era dado. Não se pode viver de migalhas,posso ter demorado, entretanto, acordei do meu pesadelo e percebi que as prisões queme cercavam foram criadas, de certa forma, por mim mesma, então, meus amores,simplesmente abri o cadeado, abri as asas e voei, bem, estou começando a voar agora.Oh, liberdade!Mantive-me focada na estrada pelas próximas horas, Graciosa sentiudificuldades ao subir alguns morros, mas nada que uma boa pisada no acelerador nãoresolvesse. Alguns carros buzinam, mas, francamente, dei um play no foda-se entãonada me incomoda, no rádio antigo toca Capital Inicial e sinto-me em uma nostalgiamaravilhosa. Nada vai tirar minha paz, nadinha.Sorrio pelo retrovisor ao ver que não há mais nenhum carro atrás de mim na BR-135, eu nunca dirigi um carro sem ser o automático e, se dirigi, foi na autoescolaquando eu tirei minha habilitação aos meus 18 anos e recordo-me de que, quando algunsanos depois, fui comprar meu carro, optei por um automático, mas em busca de umavida melhor decidi abrir mão da tecnologia e comprei um carro manual após vender oantigo. Para ser sincera, eu vendi tudo, tudo mesmo. Carro, casa e móveis e agora estoucom o pé na estrada depois de me demitir da empresa do seu Antônio, um velho taradoque gostava de olhar para a minha bunda. Até agora não me arrependo de nadinha, masDeus sabe o quão frustrada eu era tendo a vida que eu tinha, e um dos meus desejos erapoder cair no mundão e passar um tempo com a minha mãe, que mora em outro estado,então em uma manhã acordei decidida a mudar minha vida, e se caso não der merda vousorrir da situação.Estalo meu pescoço, aperto a embreagem e o acelerador enquanto troco amarcha para subir o morro, Graciosa ruge como uma leoa, até agora esse é o maiormorro que peguei a caminho de Montes Claros em MG. Quando estou quase no topo,cantando vitória e pronta para gritar o quão forte Graciosa foi, a sinto engasgar fazendocom que tremamos.— Calminha, Graciosa, só mais um pouquinho, garota! — peço com carinho. —Aguenta mais um pouquinho — imploro, fazendo voz de bebê.Então, o painel apaga e sinto minha bebezinha voltar para trás. Merda! Merda!Tento puxar o freio de mão, mas não funciona. Aperto o freio e nada! Droga, Graciosa,como ousa fazer isso comigo, como ousa? Fecho meus olhos, aceitando o meu fim, massinto um impacto e meu corpo é jogado para frente. Graciosa para. Deus é bom! Eusabia que ele não me deixaria nesse momento. Vou até acender uma vela para a VirgemSanta.Encosto-me no banco e ao abrir meus olhos vejo pelo retrovisor que a traseira daminha bebezinha bateu na frente de um Morcegão. Puta merda! Meu bolso já sente oimpacto do estrago que vou ter que pagar, não bastava estar em uma estrada deserta ànoite, ainda tenho que pagar um conserto caríssimo, sem falar que Graciosa também foidanificada. Minha neném na primeira viagem junto comigo se fere.A porta do morcegão se abre e, caralho, Deus divo do céu, que homem é esse?Um homem digno de todos os meus orgasmos sai de dentro do morcegão e caminha atéonde estou. Fico abismada com tamanha beleza, esse daí quando seus pais o fizeram, foicom vontade e força, porque que beldade!Giro minha cabeça quando ele para ao lado da minha janela, seus olhos negrosme avaliam, abro um sorriso de me desculpe.— Você está bem? — o bonitão pergunta, e sinto um calor me envolver porinteira.— Caralho, com essa voz você conquista até uma rainha — digo sem pensar.— Vejo que está perfeitamente bem, senhorita.— Eu nunca reclamei da minha visão, mas você é um colírio para os meus olhos.— Não escondo o sorriso enquanto falo.— Podemos falar seriamente? — indaga nervoso.— Estou falando seríssimo, não vê?Ele bufa, passa a mão na cabeça e pega no bolso seu celular de última geração eao olhar para a tela acesa fica mais frustrado ainda. Fecha os olhos e pragueja baixinho.Ele irritado fica ainda mais gostoso.— Não tem sinal aqui — esbraveja, jogando a cabeça pra trás.— Acho que eu tenho, calma aí!Ele me olha, ergue sua sobrancelha negra e me encara com deboche. Suspiro,abro a porta da Graciosa e saio. Ao lado dele sou uma anã, mas nada demais. O ventofrio da noite me dá uma surra que até suspiro. Pego meu aparelho e sorrio ao ver queestá com todos os sinais.— Aqui, pode ligar para quem for. — Estendo meu tijolão para ele.— O que é isso? — pergunta, me encarando como se houvesse crescido umgalho em minha cabeça.— Um celular que faz ligação e tem mais de R$ 50,00 de crédito, sem contar nosbônus. — Não escondo a alegria em minha voz, jogo meu cabelo para trás, me sentindofoda!— Isso é da primeira geração? — indaga com um ar de deboche.— É da terceira mesmo. —Talvez quarta, mas não digo.Ele pega e disca, posso ver seus olhos de raiva quando os botões fazem barulho.Eu amo esse som! É tão nostálgico que no segundo em que escuto o soado dos tecladosvolto no tempo, na alegria que sentia ao ver mamãe discando para alguém, eu me sentiaa garotinha mais especial por ter um celular em casa.— Rodrigo, sou eu — diz irritado. — Pega o mecânico e traz até mim, estou umpouco antes de Bocaiuva. — Ele suspira. — Um fusca voltou de ré e se chocou contramim. Não ria, caralho, só ande logo.Ele encerra a ligação e me entrega o celular. Guardo no bolso da minha calçajeans gasta e vou ver como está a bunda da Graciosa.— Graças a Deus, Graciosa, sua bunda está bem, só com um arranhão —sussurro, acariciando sua lataria. — Vejo que você também não sofreu danos, a não serpor seu para-choque, mas pode deixar que eu pago pelo conserto.Sorrio, mas de nervoso, lá se vai um rim meu, esse carro é caro e não tenho amenor dúvida disso. Ele só me olha e suspira. Eu nunca fui tão fã de chocolate comoagora, esse homem me dá vontade de querer lamber tudo que há nele.Merda! Eu prometi à Virgem Santa que só transaria depois que encontrasse oamor da minha vida, mas, poxa, esse homem diante de mim com toda a sua arrogânciame dá uma baita vontade de tocar uma siririca.— Então a lata velha tem nome?Oi? Calma aí! Ele chamou minha bebezinha de lata velha? Minha filhota?Francamente, eu quero é dar um murro na cara dele, isso sim! Olho para ele morrendode raiva e tudo que quero é socar sua cara bonita.— Velho é seu pau! — rosno. — Graciosa é uma antiguidade preciosa. Vocêque não sabe dar valor às coisas importantes.— Antiguidade? — pergunta e gargalha. — Tudo bem, e qual o seu nome?— Thalya da Conceição.— Bem, Thalya, chamo-me Roberto Moura. — Seu sotaque mineiro é tão forte.— Meu pessoal está vindo para cá com um mecânico para consertar essa antiguidade.Ignoro seu deboche e suspiro fundo, eu não imaginei que a Graciosa fosse quererdormir em meio à nossa viagem, mas bem, aqui estou eu. Coço minha nuca nervosa, eunão planejei nada disso. Era para ser uma viagem de mais de 15 horas sem problemas,ainda conversei com a Graciosa para que ela não me desse problemas, mas vejamos,cansei demais minha bebezinha.Talvez a falta de manutenção adequada seja a grande culpada, nos filmes tudoparece ser fácil e tranquilo.— Essa estrada é sempre vazia? — pergunto, abraçando meu corpo e com medo.Só agora me dei conta de que estou em uma estrada deserta com um homemestranho esperando o reboque vir, e nem capoeira eu sei lutar direito, resumindo, estouferrada. Muito ferrada, mas seguimos como se nada estivesse acontecendo.São essas as vantagens de ser carioca da Baixada Fluminense, ficar em umaestrada deserta é comum ainda mais para quem depende de condução pública.— Sim, você não tem costume de passar por aqui, né? — inquire, me olhandonos olhos.Mordo minha vontade de dizer, ó, meu filho, tenho cara de quem passa por aquitodos os dias.— Não muito — respondo, sorrindo educadamente.Eu nunca dirigi para tão longe e jamais peguei essa estrada para visitar minhamãe e meus irmãos, sempre era ela que ia me visitar desde o dia em que deu uma delouca e se mudou para Montes Claros, Minas Gerais. Simplesmente falou: "vou memudar, você vai ou não?", então eu fiquei. E agora estou indo até ela, bem, Dona Luciaainda não sabe do rumo que tomei na minha vida, mas quem disse que eu me importo,sendo sincera, me importo bastante com sua opinião, no entanto, pela primeira vez mecoloquei em primeiro lugar e saí de onde estava antes que morresse sufocada.Lucia é pura loucura, duvido muito que vá dar relevância ao que fiz, talvez dê eum chinelo voe na minha direção, porém, antes uma chinelada da mãe do que mais umaporrada da vida.— O que fez você pensar que é uma boa ideia viajar sozinha nesse trem caindoaos pedaços? — O tom bravo da sua voz me faz dar um pulinho.Olho para o homem que tem uns 30 centímetros a mais do que eu e fico confusa.Ela está brigando comigo? Comigo? Mas por quê? O que foi que eu fiz? E a Graciosanão está caindo aos pedaços.Só lhe faltam boas peças para que fique um luxo.— Olha só, seu bruto desalmado, a Graciosa está inteira! — exclamo, batendo odedo em seu peito firme. — Minha bebezinha está maravilhosa, e eu resolvi vir visitarminha família, só não esperava que haveria tantos morros.— Você vem para cá e não pensou que teria morros? — indaga rindo, soprandopelo nariz. — Tá doida? Uai, Bezerra, tem quantos anos?Bezerra? Ele me chamou de quê? Tá de sacanagem, eu vou dar um murro nacara desse mineiro de uma figa. Ergo meu punho no ar e quando vou para socar seurosto lindo ele pega com uma facilidade absurda meu pulso e me olha com deboche,tento lhe dar um chute na canela, mas com a outra mão impede que lhe acerte.Desgraçado! Sem mais e sem menos me jogo contra seu corpo, fazendo-nos cair nochão. Caio sobre ele e aproveito a oportunidade de sentar em seus quadris e lhedepositar um soco, no entanto, o infeliz segura meus dois punhos. Dá para ver adiversão em seus olhos, o bendito está caçoando com a minha cara.Remexo-me em seu colo, tentando soltar meus punhos do seu aperto, mas falhomiseravelmente. Ele é forte.Ouço barulho de carros, e um farol alto é jogado contra nós dois, me viro paraolhar e vejo uma picape grande vermelha e atrás um caminhão de reboque. Dos carrossaem quatro homens, dois negros como o Roberto, um mais alto e forte e outro maismagro e baixo, e dois branquelos mirrados.Eles olham para nós dois e piscam, o moreno de camisa xadrez azul começa a rirfeito uma hiena enlouquecida. Os outros parecem confusos.— Ô, Bezerra, pode sair de cima de eu? — Giro minha cabeça e olho para obendito mineiro, ele já liberou meus punhos e me olha com deboche. — Sei que soubom para uma sentada, mas não quero em cima de mim.— Você está falando que eu não sirvo para transar com você?— Você não faz meu tipo — afirma, se levantando comigo em seu colo. Seusbraços seguram firme minha bunda. Com medo de cair me aperto contra seu corpo erodeio meus braços em seu pescoço. — Gosto de mulher com carne e você parece umabezerra desnutrida e não me envolvo com moleca.Olho para ele abismada, sou colocada no chão e em um ataque de raiva desfirotapas em seu peito másculo pra caralho, mas não me importo. estou morta de raiva desseser idiota e bruto. Do que adianta ser gostoso se é tão, tão... Ahhh! Inferno! Pela VirgemSanta, eu jamais, jamais, teria algo com esse brutamonte que, além de falar mal de mim,chamou a Graciosa de velha e caindo aos pedaços.— Que trem tá acontecendo aqui? — pergunta um dos estranhos.Olho para eles com medo, Virgem Santa, é agora que eu corro, olho à minhavolta e vejo o matagal, é para lá que correrei, sério. Vou adentrar essa mata e se houvercobras eu as pico antes de me picarem, mas não deixarei que esses homens abusem demim não. Se eles se aproximarem mais, será perna para quem te quer.— Moça, relaxa, não vamos fazer nada com o cê não! — diz o mirradinho deblusa verde. — Sou José, e trabalho na oficina do Roberto, viemos rebocar seu carro —informa com as mãos para o alto em sinal de rendição. — Estou aqui para ajudar.— Uai, a moça tava até agora se enroscando com meu irmão e agora quer fugir?— pergunta o de jaqueta azul, arrepiando cada cabelinho do meu corpo, engulo em secoao olhá-lo, puta merda, se o Roberto foi bem-feito pelos pais esse cara foi moldado porDeus. Tanta beleza assim não é normal não. — Esse povo é tudo estranho.Porém, sua boca só sabe falar merda!— Eu não estava me enroscando com seu irmão não, ele que estava seenroscando em mim — informo firme e olhando em seus olhos. — Francamente, eu sóqueria fazer minha viagem em paz.— Queria viajar em paz nesse treco velho? — provoca.— Velho é o gozo que sai do saco murcho do seu pai! — exclamo, puta da vida.— Não fala mal da Graciosa, senão as coisas vão ficar feias para o seu lado — rosno.— Que entojo, tu é, hein, baranga! — rebate. — Meu irmão não se mete commulheres feito você.Meu sangue ferve e tudo que vejo é vermelho e o seu sorriso debochado.— Baranga é a puta que te pariu, quer saber de uma coisa, não preciso de ajuda,eu mesma posso empurrar a Graciosa até a casa da minha mãe e resolver meusproblemas sozinha. Agora, seu enviado do satanás, some da minha frente antes que eu temostre a força dessa baranga.— Era o que me faltava, num tem nem 1,50m de altura e quer gritar com cabramacho feito eu.— Olha só, eu tenho 1,57m de altura e qual o nome do cabra macho? — inquiro,prendendo meu cabelo com o elástico que estava em meu pulso.— Sou o Marcus Moura, baranga.Vou correndo até ele e dou um chute no meio das suas pernas e me afasto rindoao vê-lo cair de joelhos no chão. Ponho a mão sobre meu peito e mando beijinhos paraele enquanto sorrio abertamente.— Prazer, Marcus, sou Thalya da Conceição, seu pesadelo em pessoa — meapresento, passando a mão sobre meu corpo. — A baranga que fez você ficar de joelhosperante a mim, seu cabra macho do caralho!— Eita, lasqueira — ouço alguém dizer.— Corre, corre porque se eu te pegar eu te mato, sua louca — rosna Marcus comos dentes cerrados e um olhar assassino.Seus olhos no meus deixam claro que ele cumpriria o que acabou de falar, mashá um brilho que me excita a ponto de querer continuar aqui, brigando com ele até quenenhum de nós fique mais em pé. Nunca senti isso por ninguém, essa energia de fúria eprazer.Esses sentimentos que nascem eu meu peito são enigmas que me recuso a quererdesvendar.— Você não vai fazer nada — Roberto fala, se aproximando. — Bezerra, entrano meu carro que vamos rebocar o seu e ir embora. — Sou puxada para trás do seucorpo. — Denis e José levem o carro, Felipe pega seu irmão e o põem dentro do carroantes que ele faça besteira.— Pode deixar, chefe — fala os esmirrados juntos.— Caralho, Marcus, você tinha que ter esse gênio difícil? — pergunta o Felipeao irmão.Ele sussurra algo que não entendo, tento me virar para ir até ele, mas sou puxadapor Roberto até o morcegão e sou jogada no banco do carona como um saco de batatas.Roberto afivela o cinto em mim e suspira.— Bezerra, Marcus não tem um bom temperamento, então, evite confusões.— Seu irmão que começou! — esbravejo.— Só não caia nas implicâncias dele.Vejo-os rebocarem a Graciosa, quando tudo está pronto, Roberto volta para ocarro e começa a dirigir após colocar o cinto de segurança. O caminho parece ser atémais rápido neste carro, mas preferiria estar sentada no banco duro da Graciosa.Após um tempo na estrada adentramos a cidade de Montes Claros, sorrio aosaber que em breve verei minha família. Seguimos pelo centro até pararmos em umgalpão grande, o portão de ferros se abre e adentramos. Vejo que é uma oficina e que hávários tipos de carro aqui.Os mirrados descem com a Graciosa, assim que ela está em solo firme saiocorrendo até a minha bebezinha. Quando toco sua lataria sorrio.— Bem, precisamos do seu número de telefone para informar quando ela estarápronta e o endereço — pede José. — E retire suas coisas do carro.— Claro, é... ela vai ficar bem?— Faremos de tudo para que ela volte a funcionar — responde o Denis.Os esmirradinhos são gentis e parecem ser legais, me lembram o meu irmãoTom, os bichinhos também não possuem músculos, mas têm gentileza e bom coração,porém são umas pestes.— Agradeço.Vou até a preciosa e pego minhas coisas, são três malas grandes e duas de mão.Sendo que em uma mala estão os meus livros. Pego minha bolsa, e puxo o bloco denotas onde anoto o número do meu telefone e o endereço da minha mãe.— Aqui, meu número e endereço — digo, entregando para o José.Ele só acena e se afasta.— São essas as suas tralhas, Bezerra? — pergunta Roberto, se aproximando.— Sim, são, pode me dizer onde tem um ponto de táxi?— Eu vou te levar para casa — diz, pegando minhas malas sem dificuldade.Suspiro e o sigo, seria um absurdo recusar carona nessa altura do campeonato,sem contar que já passou das duas da manhã. Nem sei se minha mãe está acordada, maspor ser final de semana provavelmente está. Dona Lucia ama uma farra e nem seimporta com as horas. De acordo com ela, a vida é curta demais para viver dentro decasa, antes eu a achava louca, mas agora dou todo o valor às suas falas.Só se vive uma vez e devo fazer cada dia valer a pena.Após digitar meu endereço no celular do Roberto, o observo dirigirconfortavelmente pelas ruas já conhecidas por ele. Não há mais nada para se dizer, e,francamente, não quero bater papo não. Dou graças a Deus quando paramos em frenteao portão da minha mãe, um portão velho de madeira com o número 18. Sorrio e desçoanimada por estar em "casa". Ponho a mochila nas costas e a bolsa no ombro. Robertosai do carro e segue até a traseira onde pega as malas grandes. Vou até a campainha etoco uma, duas, três vezes seguidas para que andem logo.— Já vai, desgraça! — minha mãe grita. — Perdeu a paciência na puta quepariu?O portão é aberto com força, exibindo uma mulher um pouco mais alta que eu,com cabelos castanhos longos volumosos, a raiva paira sobre seus olhos castanhos, esim, minha mãe está puta da vida, usando um conjunto de calça de moletom e umatouca preta na cabeça. Ela me olha, piscando algumas vezes como se estivesse vendouma assombração, estende a mão e me cutuca para ter certeza de que sou eu.— Oi, mãe!— Você aparece na minha porta essa hora e diz "oi, mãe"? — indaga. —Caralho, Thalya, você viu as horas? — esbraveja, mas me puxa para um abraçoapertado. — É perigoso andar por essas horas sozinha, eu já não repeti isso inúmerasvezes?— Eu senti saudades — consigo dizer, apertando-me mais contra o seu corpo,sufocando o choro.— Aqui suas coisas — Roberto diz, me estendendo as malas.Minha mãe se afasta e olha para Roberto criticamente.— Me explica isso, Thalya — manda.— Graciosa e eu batemos no carro dele e ele me deu uma carona enquanto elaestá no conserto — explico.— Quem é Graciosa? — pergunta confusa.— Meu carro.Lucia me olha de cima a baixo, suspira e então me lança um olhar que diz "vocêtá ferrada, Thalya".— Obrigada por trazer minha filha aqui, mas já está tarde, outra hora te ofereçoum suco ou café — mamãe praticamente o expulsa. — Vá pra casa com Deus.— Fiquem com ele, tchau — Roberto se despede, entrando no carro e dando rérapidamente.Nossa, nem consegui dizer tchau, mas depois falo com ele ou não, tanto faz.Desde o segundo que o conheci só tive problemas.— Pega suas tralhas e entre logo, quero dormir.Pego minhas malas com a ajuda da dona Lucia e entro. A casa de dois andaresestá como sempre arrumada, deixo minhas coisas ao lado do sofá. Olho para minha mãeque tranca a porta,— Tome um banho e vá se deitar no quarto da sua irmã, ela só volta na segundacedinho. Seu irmão está na rua — diz calma. — Quando você acordar, iremosconversar, agora some da minha frente.Apanho minha mochila e subo a escada correndo e rindo, minha aventura só estácomeçando.

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