capítulo 01

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Thalya


— Tá parecendo uma porca dormindo desse jeito — ouço um murmuro.Sinto algo passar por meu rosto e depois ouço risos, e por fim abro meus olhoscom preguiça, dando de cara com meu irmão e seus olhos verdes, o único de nós comolhos claros, sortudo! Porém, eu nunca direi o quão lindo eles são, pois o infeliz já seacha gostoso demais, Deus me livre aumentar ainda mais o seu ego.— Acordou, princesa? — pergunta debochado. — Mãe, a porquinha acordou.Ergo minha mão e lhe dou um tapa estalado que ecoa pelo quarto, Tom me olhacom raiva e vem para cima, sendo mais ágil devido ao fato de ter sido bem atentadaquando criança e ter corrido por horas da dona Lucia para não apanhar, pulo da camafeito ninja e corro para o corredor, descendo a escada de dois em dois degraus, mas aover os convidados da minha mãe erro os passos e caio de bunda no chão.— Puta que pariu! — berro pela dor. — É agora que perco a bunda que tinha.— Já não tinha nada, agora que está desbundada de verdade! — Tom Joaquimgrita do topo da escada. — Ô, querida, seu cabelo está mais para o alto do que umavassoura!Fecho meus olhos e jogo minha cabeça para trás para poder vê-lo melhor, deixoclaro pelo meu olhar que ele irá ter uma morte lenta e dolorosa. Não sou a irmã maisvelha carinhosa, sou a que mete o louco e manda os caçulas para a casa do caralho,simples assim. Tom Joaquim estremece e, some da minha vista.— Você é a pior irmã do mundo! — berra como uma criança mimada.— Vou te mostrar mais tarde o quão ruim sou, Tom Joaquim.Ergo-me do chão e encaro os esmirrados que abrem um sorriso largo para mim,aceno e faço o mesmo, minha bunda dói tanto que minha vontade é de deitar de bruços epôr gelo. Deus sabe que eu não merecia isso a essa hora do dia.— Se colocar a baranga de cabeça para baixo poderei varrer o chão do curral —ouço a voz do capeta — e eu achando que ela não poderia ficar mais feia.Viro minha cabeça para ele feito a boneca Annabelle, lhe dou meu sorriso deCoringa e, a passos lentos e firmes, marcho em sua direção. Paro diante dele e observoseu sorriso debochado. Eu nunca pensei que falaria isso, mas meu santo não bate com odele. Esse homem me dá nos nervos, vou até a igreja ser benzida, porque tenho certezade que ele me trará muito azar. Roberto ainda é gentil, mas o Marcus? Esse toma o piorde mim. É por isso que digo, de nada adianta ter uma beleza anormal se quando abre aboca quase todo o encanto vai embora.No entanto, quanto mais me aproximo dele, mais quente me sinto como seestivesse sob um sol de 45 graus. É estranho, porém, gostoso de sentir.— Olha aqui, seu filho do cão, cala a porra da sua boca — sibilo entre dentes.— Eita, lasqueira, ainda tem um bafo de gambá a essa hora do dia — retruca,tapando o nariz e abanando o ar.Santa Maria mãe de Jesus! Me segura que eu quero voar nesse mineiro de umafiga. Abro minha boca e jogo bafo nele, sem me importar com nada. Seus olhos negrosme encaram com raiva e sua mão cobre minha boca, a mordo e ele solta me encarandocomo se eu fosse um cão raivoso.— Não sabia que baranga tinha dentes, olha só, ela morde!— Ah! — grito e dou um soco em seu peito. — Seu capeta desalmado, some daminha frente e vá mamar na teta da suas vacas fedidas.— Cala a boca, sua baranga, que minhas vacas são mais limpas e bonitas quevocê! — esbraveja Marcus. — Elas são formosas, ao contrário de você!Bufo de raiva e o sangue vem aos olhos, ergo meu dedo e aponto na sua carasafada. Ele vai pagar caro por essas palavras.— Me critica tanto é porque me quer — provoco, passando a mão no meucabelo.Marcus gargalha alto, pondo a mão na barriga.— Quem gosta de osso é cachorro e nem sempre, às vezes preferem um bife—ele diz divertido. — Aqui, a chave do seu ferro-velho.Pego a chave da Graciosa da sua mão aberta, como ele ousa falar mal da minhabebê desse jeito?— Ferro-velho é o seu pau pequeno — rosno.Ele me olha com desdém e pega minha mão livre, levando ao meio das suaspernas, fazendo com que eu aperte o volume que há ali. Fico sem reação. Marcus abaixao tronco e encosta a boca em meu ouvido, me deixando toda arrepiada.— Não é pequeno e uma vez que entra faz um estrago, mas, você, Thalya, nuncasaberá o quão gostoso é montar nesse touro — afirma baixinho, apertando ainda maisminha mão contra sua parte íntima.Abro a boca assustada. Marcus me solta e se afasta como se nada tivesseacontecido. Congelo no lugar, não acredito que ele foi sujo a esse ponto. Não acreditomesmo! Eu vou cortar essa cobra que ele tem no meio das pernas.Cobra? Tá doida, Thalya?Ele tem é uma minhoca, e das mais finas possível!Respiro fundo e engulo toda a minha frustração, esse insolente vai pagar caro,com toda certeza ele vai. Se antes eu pensava em ficar apenas uns dois dias aqui com aminha família, agora se tornou minha meta de vida jogar toda a minha capacidade deenlouquecer alguém nesse desgraço. Marcus vai ver o que a filha mais velha da Luciada Conceição é capaz de fazer.Esse filho de uma égua!Passo a mão em meu cabelo e percebo que está todo para o alto, ao me virar vejoos esmirrados me encarando. Eles são pequenininhos e fofos, mas algo me diz que sósão fofos por fora, com certeza devem transar igual coelhos no cio. Francamente, eu nãome iludo mais com esses jovens não. Como sei disso? Pelo simples fato de que eu erabem pior quando mais jovem. Eu era uma desgraça, não nego, levei minha mãe àloucura várias vezes e em troca recebi várias varadas, Deus sabe o quanto minhaspernas e bunda sentiram o peso da vara de goiaba ou de bambu. Dona Lucia não tinhapena não, era chulapa para cá e chulapa para lá. Doía, mas uma semana depois eu estavafazendo tudo de novo e assim seguia o baile.— Eu agradeço a vocês por terem consertado a preciosa — agradeço sorrindo.— De nada! — dizem juntos os esmirrados.— Isso foi assustador...— Bem, estamos indo — mais uma vez falam juntos.Uau! Que assustador, medo de andar sozinha na rua e ouvir os dois dizendo "oi",sério, se eu ouvir isso, corro igual a um bezerro assustado.Fico acenando feito doida até que eles somem da minha vista, então relaxosentando-me no sofá. Estou com um puta medo de me olhar no espelho e ver minhaatual aparência, eu me conheço e sei perfeitamente que no segundo em que vir meureflexo me assustarei, eu, melhor do que ninguém, sei o quão feia sou ao acordar, porémnunca darei o gostinho da verdade para aquele brutamonte convencido dos infernos.— Ô, filha de uma gostosa, posso saber que troço velho é aquele no meu portão?— minha mãe surge gritando e apontando para fora. — Por que tem um fusca caindoaos pedaços no meu portão?— Mãe, não fale mal da Graciosa! — exclamo nervosa.— Então aquele caco velho tem nome? — pergunta, apontando freneticamentepara fora. — Por Cristo, cadê aquele seu Fox? Você tinha um Fox, você tinha um carroautomático e seguro.— Eu vendi e comprei a preciosa.— VOCÊ FEZ O QUÊ? — grita, pondo a mão no peito. — Você está doida,caralho.Lucia começa a se abanar como se estivesse passando mal, talvez esteja. Não écerto, mas o olhar que lança na minha direção deixa claro que estou ferrada.— Mãe, eu quis me jogar na estrada e curtir a vida — explico. — A senhora quedisse que às vezes devemos ligar o "foda-se", ir em busca do que queremos e mudaraquilo que nos faz mal.— Ouça o que digo, mas não faça as loucuras que falo! — berra, levando a mãoao peito. — Por Deus, você vendeu um bom carro, e veio do Rio até aqui nesse fusca demil novecentos e as bolas murchas do seu avô. Que meu pai descanse em paz noinferno.— Mãe, a senhora não entende!— Eu não quero entender, caralho, e não posso — diz, passando a mão peloscabelos, nervosa. — Você também largou seu emprego e vendeu a casa? — Faço umsim com a cabeça. — Você tinha uma boa casa, um ótimo emprego e um namorado esimplesmente largou tudo isso, fez as malas, entrou em um fusca e veio para cá?Bem, explicar o porquê significa cavar e não estou pronta pra isso, então apenassorrio.— Foi exatamente isso que eu fiz! — exclamo sorrindo. — Não é legal?Ela passa a mão no cabelo, pisa no chão com força.— Ah! — grita. — Eu vou te matar, eu vou te matar, Thalya, eu juro que vou tearrebentar — berra, vindo até mim.Vou para o outro lado do sofá, e ela para, me olhando ameaçadoramente.— Vem aqui, sua cria minha! — ordena com as narinas inflamadas. — Por quevocê tinha que ser tão parecida comigo, por quê?— Mãe, respira e tenta ver o lado positivo.— Lado positivo na casa do cacete! — diz exasperada. — Em uma crise dessa,onde há uma cambada de gente desempregada você dá uma de louca e se despede,vende sua casa, seu carro e compra um fusca que se eu peidar dentro, ele cai aospedaços.— Mãe, a Graciosa é forte!— Forte sou eu que pus três filhos endiabrados no mundo — declara, se jogandono chão. — Uma só gosta de pinga e piroca, o outro fica ouvindo essas bandasjaponesas e fazendo vídeo para não sei o que na internet debaixo do chuveiro acabandocom a água do mundo e a mais velha compra um fusca enferrujado e se joga na estrada.— Mãe, a senhora está chorando? — Tom Joaquim pergunta. — Por quê?Quando minha mãe ergue a cabeça e simplesmente fica de pé em um salto comouma ninja eu me assusto, pois sua expressão que antes estava triste agora se encontraraivosa. Quando viro para o meu irmão entendo o porquê, o moleque está com o cabelomais colorido que o arco-íris.— Eu vou matar vocês dois! — grita e vem em nossa direção.Corremos juntos, tropeçando em nossos pés para fora, mamãe vem atrás e cai aopisar em falso, mas quando a vejo se levantando feito raio volto a correr. Entro naGraciosa às pressas, Tom Joaquim faz o mesmo.— Dá logo partida ou ela vai me surrar e tu vai junto — fala exasperado,batendo no painel.Ligo a Graciosa e quando o motor ruge eu troco a marcha ao mesmo tempo emque minha mãe bate no vidro. Acelero, deixando-a para trás me xingando de tudo que énome. Dirijo sobre os risos do meu irmão, gargalho junto com ele e buzino quando vejominha irmã toda destruída vindo em nossa direção.— Chloe, entra na Graciosa — Tom Joaquim pede. — Se for pra casa agoramamãe te capa, ela tá virada do samurai hoje.Minha irmã tira os óculos escuros, exibindo seu rímel borrado e sua caraamassada. Ela me olha, pisca, depois se belisca e por fim grita. Dá a volta na Graciosa epara na minha janela, eu a abaixo e ela me olha com espanto.— Eu não pensei que te veria tão cedo, mas se caso visse não imaginei que teveria destruída desse jeito — diz, me olhando com espanto.— Você está toda acabada e minha cara de sono é a que está destruída? —indago.— Sim, e que troço feio é esse? — questiona, olhando Graciosa.— Não fala mal da Graciosa e entra logo. — Tom sai e puxa o banco para elaentrar e, por Deus, preciso de café.Chloe olha assustada, mas faz o que eu digo, se senta no banco de trás, olhandotudo com bastante curiosidade. Quero gargalhar das suas caras e bocas. Volto a dirigirsentindo Graciosa rugir mais suave quando acelero, eles fizeram um bom trabalho nelaem poucas horas.— Te informando antes que você pergunte, a Thalya se demitiu, vendeu a casadela e o carro e caiu na estrada com a Graciosa — Tom Joaquim fofoca. — Mamãe estáputa, porque pintei o cabelo e porque a Lya fez todas essas coisas, mas para mim eu douuma nota 10 para você, irmã, foi muita coragem.— Caralho, eu não vejo a hora de ser adulta o suficiente para meter o pé na jacae ir viver minhas loucuras — Chloe fala empolgada. — Você está feliz em fazer tudoisso?— Estou! — respondo simples.— É o que importa! — falam juntos.É, a minha felicidade é o que importa, mas neste momento eu serei muito maisfeliz se tomar uma boa xícara de café preto e forte.— Onde tem uma padaria para que eu possa tomar café e comer algo, e um devocês pagará para mim — digo.— Segue até o fim da rua e vire à esquerda, vamos na padaria do senhor Jão, ocafé é ruim, mas o pão é uma delícia — Chloe explica. — Sorte sua que na minha bolsaeu tenho um vestido soltinho e mais comprido para caber nessa sua bunda gordinha.Apenas balanço minha cabeça e continuo dirigindo, quando paro em frente àpadaria quase infarto, que lugarzinho feio. Vejo alguns bebuns tomando café sentadosna calçada, e o som alto está ligado, eles estão ouvindo uma música gospel, algunschoram e outros olham para o céu.Se fosse em outros tempos eu sairia correndo, bem, estou quase o fazendo.Antes de sair da Graciosa, visto o vestido horroroso que a Chloe me deu e porsorte, minha irmã tinha um chinelo com ela. Prendo meu cabelo em um coque e saio. Osbebuns olham para nós, mas nada dizem. Se eu achei que por fora o estabelecimento erafeio é pelo simples fato de que ainda não havia visto por dentro.A padaria do seu Jão estava toda no reboco de tijolos com mesas de bar com alogo das empresas de cerveja, e as cadeiras possuem rachaduras nas pernas. Paramelhorar, havia um cheiro de pão, cerveja e urina. Meu coração disparou, estou a umpasso de sair correndo desse lugar. Sigo meus irmãos para o fundo da padaria e por fimvejo um balcão de vidro onde há no mostruário vários tipos de pães doces.— Senhor Jão, manda três cafés "pingado" e três pães doces de coco e três de salna chapa com mortadela — grita Tom Joaquim. — Capricha, hein, seu velho feio.— Feio é seu pinto, seu moleque insolente — berra o senhor de volta. — Vocêsempre me tira da graça, moleque.— Alguma vez o senhor esteve na graça, seu Jão? — indaga meu irmão rindo.— Santo Deus, eu tento ser um bom homem, mas esse moleque filho de Judasvem uma hora dessa tirar minha paz. — O velho reza: — Que um raio caia no rabo doTom Joaquim, amém!Meu irmão leva a mão à bunda e as junta como se fosse fazer uma prece, olhopara ele abismada. Sinceramente, esse menino bateu a cabeça quando criança. Não épossível que ele seja mais louco do que eu. E olha que sou meio doidinha, mas só osuficiente para endoidar alguém.— Maria mãe de José... — começa meu irmão.— É mãe de Deus, seu desprovido da palavra de Deus — berra minha irmã.— Santa Maria, mãe de Deus...— Maria foi mãe de Jesus — corrijo.— Isso! — exclama Tom Joaquim. — Virgem Maria, mãe de Jesus, faça comque uma vala se abra aos pés do senhor Jão por me desejar tanto mal, sou um bommenino e todas as noites rezo o pão nosso.— É Pai nosso, Tom! — exclama Chloe. — Isso que dá não ir às missas dedomingo, eu sempre vou.— Para paquerar o padre bonito — rebate o senhor Jão. — E quem é você,morena?Encaro o senhor diante de mim que carrega uma bandeja grande com nossospedidos. Seus olhos esverdeados grandes, sua pele pálida toda enrugada lhe dá umaaparência terrível, mas seu sorriso banguela é o seu maior charme, pois há uma dose desinceridade. Sorrio de volta.— Thalya, irmã desses desprovido da palavra de Deus — apresento-me.Ele me olha de cima a baixo e sorri com ternura, ele me lembra do meu avô, sóque sete vezes mais acabado. Vejo que os anos não foram gentis com o senhor Jão.— Venha sentar-se aqui, menina, lá fora tem os pinguços chorão — fala, indoaté uma mesa bonitinha de madeira gasta. — O café tá amargo, mas os pães sãodeliciosos.— Apreciarei minha refeição, obrigada. — Abro um largo sorriso para osenhorzinho.— Fico feliz em saber que você é a mais educada da sua família — diz sério. —Sua mãe é a secretária do capeta, que Deus repreenda todo mal. Sua irmã uma desgraçae favorecida pela pinga e seu irmão um sem rumo que só tira minha paciência —desabafa e sorri. — Mas vejo que você é diferente.— O senhor está julgando pela primeira impressão — provoca Chloe.— Vocês não mudaram nada desde a primeira impressão que tive de vocês, aocontrário, só pioram — rebate e sai.— Velho chato — Tom Joaquim implica.Sento-me à mesa e pego o copo de vidro feioso levando até a boca, o café é ruimque dói, mas está forte e amargo. Pego o pão de coco e levo à boca, que coisa macia,divina. O gosto de coco é tão forte que me sinto nas nuvens. Meus irmãos sentam-se emsilêncio e comem com vontade, entendi o que eles falaram, o café é ruim, mas os pãescompensam todo o resto.Mesmo com toda essa agitação pela manhã, sinto-me feliz por estar com meusirmãos. Eu senti muita falta desses momentos nossos. Ficar no Rio de Janeiro sozinhame entristeceu a cada dia e, no fim, cheguei ao ponto de me sentir extremamente malcomigo mesma e com tudo à minha volta. Mesmo com esses idiotas enchendo a minhapaciência, eu os amo. Não sei como vou chegar em casa sem apanhar da dona Luciaporque ela não esquece e não posso ficar o dia todo na rua, porém espero que a VirgemSanta proteja a minha bunda das varadas da minha mãe.

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⏰ Última atualização: Dec 27, 2023 ⏰

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