Duas raposas no inverno rigoroso

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Uma raposa de nove caudas com pelos em um tom de azul suave e expressão raivosa andava pela floresta, um lugar de altos pinheiros brancos por conta da neve. Suas patas afundavam na espessura branca, algo que apenas piorava o frio que estava sentindo, odiava ser um dos poucos que podia patrulhar o local, afinal todas as espécies estavam em guerra... De novo.. Aquele lugar não lhe era estranho como era em seus primeiros dias, quando ainda era primavera.

O nome dessa raposa era Souya, uma raposa de nove caudas, ele era uma raposa de fogo então sempre era designado para esse tipo de trabalho. As raposas de nove caudas (ou Kitsunes, caso prefira) eram seres mágicos capazes de transitar entre raposa e humano meio raposa. Duas vilas de Kitsune estavam em guerra, o que era um problema afinal os humanos estavam tentando dominar todos os outros povos e ainda por cima havia uma guerra interna?! A maioria das Kitsunes não se importava, mas ele se importava mais do que todos.. principalmente por conta de uma raposa em específico.

Souya já estava entediado, tomou sua forma humana para conseguir pegar seu cantil de água de forma mais fácil, até que ouviu o ruído de um corpo se aproximando, era rápido. Ele reconhecia aqueles passos, era apenas seu irmão Nahoya, uma raposa muito parecida consigo, mas com pelos em um tom salmão e uma expressão sorridente, Nahoya tomou sua forma humana, muito parecida com a de seu irmão mudando apenas a paleta de cores, sendo Nahoya branco com cabelos cacheados salmão e Souya branco com cabelos cacheados azuis. Eram gêmeos, idênticos se não fosse pelo tom de cabelo.

Apenas um olhar foi o suficiente para saberem que estão bem, era apenas isso que precisavam, receber um olhar de "Acalme-se, eu ainda estou vivo" mesmo ambos sabendo que não estavam realmente vivendo, a verdade é que há uma grande diferença entre viver e estar vivo .  

Após um breve abraço Nahoya voltou para seu posto que era relativamente distante dali virou-se e deu um breve olhar de volta a Souya que acenou com a cabeça, assim Nahoya começou a correr, desaparecendo da vista do de cabelos azuis, demorando um pouco mais para o som dos passos desaparecer de seus ouvidos.

Voltando a sua forma de raposa, algum tempo depois de Nahoya retornar ao próprio posto, Souya mesmo com a quantidade de pelos que tinha em sua pele não estava conseguindo manter o calor corporal, então em um movimento de sua cauda, as nove se acenderam em belas chamas azuis. Aquilo poderia talvez chamar atenção mas era melhor do que morrer de frio. Continuou andando por aquele espaço por horas e horas, até o crepúsculo, um dos momentos que faz o frio extremo daquela região do território das kitsunes ficar ainda mais extremo, dar espaço para uma bela lua minguante e um frio tão avassalador quanto ao do topo de uma grande montanha.

Souya novamente ouviu passos se aproximando de forma rápida, eram passos de kitsune em forma de raposa, e não era Nahoya, disso ele tinha certeza. Rapidamente apagou as chamas de suas caudas e foi o mais furtivo possível para defender-se de um possível ataque quando localizou a tal raposa, correu até o local, ele sabia qual era, uma clareira nevada cercada por árvores de grande porte, chegou antes do inimigo e entrou em posição defensiva. 

Quando o indivíduo chegou, ambos estavam prontos para atacar, até se encararem os olhos lilás encontraram os olhos azuis e ambos foram capazes de sentir o cheiro dos feromônios um do outro e ao perceberem quem era a raposa de pelos roxo-acinzentado com degrade preto nas orelhas, caudas e patas. O nome da raposa que havia chegado era Rindou, ele antes da guerra interna dentre as kitsunes tinham um namoro escondido com Souya, que foi rompido por conta da guerra. 

Ao perceber que era Souya, Rindou se sentou, olhando diretamente nos olhos de Souya. Assim que sua adrenalina da raposa de pelos roxos havia baixado o frio começou a ser percebido pelo sistema nervoso fazendo Rindou se sentir desconfortável com suas quatro patas afundadas na neve e com o vento forte batendo contra seus pelos, se não arranjasse uma fonte de calor logo talvez ele morresse de hipotermia, suas patas tremiam e fraquejaram de forma que ele acabou se deitando na neve fria contra sua vontade.

Souya havia percebido isso, acendeu suas caudas outra vez e lentamente se aproximou de Rindou, ao ponto de seus pelos se encostarem e deitou-se próximo da outra raposa que acabou tomando sua forma humanoide. Fazendo a mesma coisa  Souya ajoelhou-se no chão e abraçou Rindou.

— Você não pode morrer de frio agora! Não aqui, não comigo perto — Souya falou com os olhos lacrimejando.

Deu seu jeito para fazer ambos tornarem à forma de raposa deitando-se ao lado do corpo inconsciente por conta do frio que estava em seu auge. Com o calor que emanava do corpo de Souya, Rindou foi aos poucos recobrando a consciência mas apenas para se aconchegar mais com a kitsune abraçada consigo e receber uma pequena lambida calorosa em seu focinho antes dos dois dormirem naquela clareira entre a neve, os ventos frios e as batalhas em outros povos, em outros postos. 

Eles não ouviram duas raposas se aproximando rapidamente, eram ums raposa ruiva e uma raposa extremamente semelhante a Rindou. Se Tratavam de Ran, o irmão de Rindou, e de Nahoya no qual já conhecemos. Eles estavam batalhando até perceberem que na direção do posto de Souya não estava havendo barulhos de luta, assim correndo e ignorando a inimizade que tinham afinal naquele momento eles tinham interesses em comum. Ao chegarem e repararem  na cena de duas raposas aconchegadas uma na outra com as caudas misturadas perceberam que se preocuparam a toa. A verdade é que nenhum dos quatro realmente queria lutar, na realidade eles só queriam paz para viverem com seus amores em paz, mas logo após checar Souya, Nahoya voltou a seu posto e Ran foi até sua base.

A verdade era que talvez voltassem a ser inimigos amanhã.. mas hoje eram apenas amores injustiçados e abalados pela guerra. Naquela noite não sobraria nada para contar a história, ninguém fora aqueles quatro saberiam o que aconteceu naquela noite de inverno. As únicas testemunhas dos amores injustiçados eram Rindou, Souya, Nahoya, Ran, a Lua, as Estrelas, a Neve e o Vento.

Two foxes in winterOnde histórias criam vida. Descubra agora