A infancia

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Depois de tudo que aconteceu com o Dan, eu e minha mãe passamos de uma relação fraternal para uma relação de inimigas. Ambas não conseguiam ficar perto uma da outra sem fazer um estrago colossal. Não que, minha infância inteira tenha sido diferente.

– Helena, venha aqui! – Gritou a mamãe, com pressa. – Precisamos conversar. – Disse, trançando meus cabelos pretos. – Vamos ter que ir embora de Minas Gerais. Vamos morar em outro lugar, com o titio, em São Paulo. – Disse ela, tentando não deixar transparecer o medo.
– Ta bem, o papai vai com a gente?
– Não. Ele vai ficar aqui. Tem coisas para fazer!
– Não quero ir sem o papai, mãe! – Respondi, nervosa.
– Vai ser por pouco tempo. Ele vai nos visitar. Agora arrume sua mochila, vamos passar na vovó!
Eu me lembro de nós duas ontem, indo a casa da vovó. Havia uma conversa estranha entre as duas, que eu não entendia muito bem.
– Você quer morar aqui comigo Fatima? Com uma criança de 8 anos? – Respondeu a vovó, furiosa.
– Eu não tenho para onde ir, mãe! – Respondeu mamãe, chorando.
– Só se formos nós todas para debaixo da ponte. – Disse-a senhora, e fechou o portão.
Mamãe me pegou no colo e fez alguns telefonemas...
– Filhota? – Disse meu pai, me tirando do devaneio. – Quero que leve esse CD, tem a nossa música, que eu dediquei pra você. – Ele diz, e abre um meio sorriso. Eu agradeço e o abraço.
Após a viagem, é difícil me lembrar dos dias seguintes na nova cidade. Havia pessoas estranhas que diziam ser minha família, cuidavam do meu cabelo e me deixavam bem vestida. Uma mulher que eu chamava de madrinha nos acolheu em sua segunda casa. A primeira casa, a dela, era a maior, com mais cômodos, a minha e a da minha mãe era de um cômodo só, nos fundos da casa. A noite, eu pegava o CD e ouvia, chorando, a música que meu pai me deu, chamando sem parar o nome "papai"...
o tempo, como todos nós sabemos, ele não para. Eu fui crescendo, e quanto mais eu crescia mais doente minha mãe parecia ficar. Houve um episódio que eu nunca me esqueci.
Havia acontecido alguma briga entre eu e ele, ou com Andres. Mas algo a deixou fora de controle. Morávamos numa casa grande mas simples, não tinha pinturas nas paredes e havia um aspecto de tristeza nela. Na cozinha, havia uma mesa de jantar feita de vidro, um fogão e um armário branco pequeno. Ela andava pela casa procurando remédios sem parar, tinha algo acontecendo. Eu não me lembro o que era, mas algo que eu fiz acendeu sua ira. Então ela pegou uma vassoura, levantou-se e quebrou a mesa de vidro. A intenção era me acertar, mas talvez seu instinto materno a protegeu de si mesma. Havia vidros por todos os lados e minha irmã começou a chorar, sem entender nada.
– Essa menina ainda vai me deixar louca, Andres. Louca! – Dizia, sem fôlego.
Ela mandou eu e Emilia se arrumar porquê íamos dormir na casa de uma irmã do Andres. Nos arrumamos, pegamos o carro e fomos.
A casa era enorme, espaçosa e confortável. Havia um quintal cheio de brinquedos de criança, piscina de bolinha e alguns petiscos. Brinquei um pouco com as crianças da casa mas, de repente comecei a me sentir mal.
A noite chegou e eu não conseguia dormir. A dona da casa só aceitava dormir com todas as luzes apagadas e, desde que eu não via meu verdadeiro pai, eu tinha medo do escuro. Então comecei a chorar de medo, uma onda de calor subindo pelo meu corpo, o desespero me abraçando. Um medo infantil. Mas Fátima e Andres não entendiam isso. Estavam alcoolizados, principalmente Andres. Então minha mãe me puxou pela orelha pela casa inteira e me trancou num quarto sem luz. Com apenas dez anos, não tinha controle algum das minhas emoções e foi aí que chorei mais. Andres ficou furioso.
– Você está fazendo um escândalo na casa da minha irmã! – Gritava – Está me fazendo passar vergonha! Cale a boca, agora.
– Eu já mandei calar a boca, infeliz. – Disse Fátima, puxando minhas orelhas de novo. Ela puxou tantas vezes, que meu ouvido começou a zunir e senti uma queimação que parecia muito forte pra minha idade, então foi quando chorei ainda mais.
– Cala a boca ou vai ficar de castigo! Dorme logo maldita, dorme! – Dizia mamãe.
Com medo, tentei chorar baixinho. Num canto escuro, ela acendeu algum tipo de vela para ver se eu me acalmava. Não dormi a noite inteira com dores nas orelhas.
Claro que ela não era um monstro, apenas não nasceu pra ser mãe. Ouvi ela dizer isso um pouco mais tarde aquela noite, quando eles pensaram que eu finalmente fiquei cansada e cai no sono.
– Eu não nasci pra ser mãe! – Indagou Fátima. – Eu nem sei o que estou fazendo. Perdi minha vida inteira pra uma coisa da qual não tenho a menor vocação.
E com essas palavras, ecoando na minha mente junto ao zumbido, o cansaço me venceu e cochilei por alguns minutos, porquê já era de manhã.

Eu gosto de pensar que ela não foi uma mãe ruim porquê quis ser assim. Ela tinha aquelas doenças mentais que deixam as pessoas um pouco violentas ou sem controle. Depois, se casou com o rapaz chamado Andres, e tiveram a minha irmã que citei. A casa em que eu cresci nunca foi um lar saudável, estabilizado, com amor. Tinha muita violência, eu apanhava com uma certa frequência e Andres e Fátima não se davam tão bem. Com 8 anos já tinha um diagnóstico; sofreria com transtorno de abandono. O que já era de se esperar.

A Fantasia de um DoenteWhere stories live. Discover now