🔇
. . .quando o álcool se dissolve no meu corpo nu, os ponteiros do relógio encaixam no meu crânio. e eles dizem que logo derreterei junto a água da banheira. bismillah me faz de refém em uma ópera estridente, torcendo meus tecidos feito uma camiseta encharcada até que os vasos sanguíneos estourem para fora dos glóbulos.
eu sou uma dama noturna cega ao amanhecer. é aqui. e não há terra escavada ou portões, a carnificina só sabe crescer e quando se abre é só para matar mais. não te assusta ver sua face carimbada em vinte e cinco ladrilhos? ter que ver sua aorta aberta enquanto prende seu pescoço ao bueiro da água em graus negativos e se convencer de que merece estar ali?
não tem jeito. a culpa transborda pelas margens da matéria podre, afinal eu não consigo vomitar a massa morta se ela se camuflar na profundidade implacável do imaterial. se você ainda tem um coração, deixe-o pulsar. perder mais...perder mais...perder mais...
não sei se é uma vantagem.
e eu tentarei vestir um jeans de 2014 e dissecar rosas amarelas, orar para qualquer divindade que talvez exista e dizer que sinto muito antes de ir para o submundo, para o inferno, se eu fosse tão sortuda de conseguir ir parar lá. e eu posso até tentar, mas não vou saber discenir minha verdadeira alma entre as milhões de amostras no que um dia foi um espelho/vitrine. qual seria o sentido de permanecer vagando no limbo, na terra dos são ninguém, rasgando rios e plantando sementes que nunca vão crescer? nem sei qual das minhas versões fodidas é a verdadeira e temo saber algum dia, porque então eu teria a certeza absoluta de que ou eu estou até bem ou eu acabei de desperdiçar a minha última e única alma.
mas enquanto eu não sei, uni-duni-tê. a escolhida foi você, filha da puta. assuma. que morte milagrosa. "não tem sangue derramado!" nós chamamos isso de suicídio telepático. e eu transmiti a mensagem para todos os meus clones trancados no banheiro, até que se engasgassem com a própria saliva um a um, com o próprio veneno, com o próprio ódio, sem cogitar na futura morte cerebral.
trançarei cipós ou decorarei mapas, vou me jogar em um mar e acordar em uma ilha no mundo dos sonhos, achar um bebê debaixo de uma pessegueira e ouvir um anjo dizendo meu nome, inocente e recém nascida, e soprarei de longe no seu ouvido que se algum dia quiser me encontrar, eu lhe implorarei por seu perdão genuíno.
e abandonando todos os clones em seus miseráveis estados vegetativos, regarei os lírios que crescerão da minha carne. repito boa noite vinte e sete vezes (vinte e sete?) mesmo que eu não tenha cílios.