Ligo o ventilador, apago as luzes e me deito, puxando o edredom sobre meu corpo. Meus cabelos se derramam sobre o travesseiro.Tiro o edredom, muito quente. O ventilador faz um barulho conhecido e até tranquilizante, mas está cada dia mais fraco, o verão do Ceará tornando quase inútil seus esforços de me ventilar.
O suor escorre pelo meu rosto. Viro de lado, fecho os olhos, alguns segundos se passam antes que eu vire para o outro lado, o calor não permite que eu relaxe. Suspiro e levanto, mexendo no ventilador, mas já está no máximo, não há nada a fazer.
No canto do quarto a sombra me observa, provavelmente rindo do meu infortúnio. Deito novamente, de barriga pra baixo, pensamentos aleatórios invadem a minha cabeça, uma música qualquer se repete infinitamente, as lembranças se embolam, meu estômago revira.
Lembro e me arrependo de coisas ditas mais cedo nesse dia, ou a meses atrás, não importa, meses ou horas, o sentimento de vergonha está lá, eu não devia ter dito nada. Sinto a sombra me observando.
Me viro novamente, uma agonia indefinida se alastrando por meu corpo. Pisco, os olhos pesados, o sono está presente, mas a minha cabeça não planeja me deixar dormir. Mais e mais pensamentos aleatórios e lembranças indesejadas se fazem presentes, e a maldita música continua no fundo, deixando o emaranhado de informações ainda mais confuso e insuportável.
Pisco uma, duas, três vezes, e lá está ela, a sombra havia se aproximado sem que eu percebesse, estava sobre mim, me oprimindo. Sinto seu peso sobre meu peito, o ar escapando de meus pulmões, mais suor por todo o meu corpo.
Tento desligar meu cérebro e mantê - lo em branco, mas não dura mais do que 15 segundos. Cenas aleatórias invadem minha cabeça, se misturando com todos os momentos que eu quero esquecer. Mas quanto mais eu tento tirá - los da minha memória, mais eles se forçam para dentro. Por fim eu desisto, minha respiração está difícil, o peso da sombra esmaga meu peito pouco a pouco e a agonia me toma.
A sombra, com uma risada de escárnio, trás suas mãos frias até a minha pele. Arrepios percorrem meu corpo tensionado, ela está me enforcando, a sensação de sufocamento me desespera, eu me debato, meus sentidos ficam turvos e eu já não estou mais no meu quarto.
Tudo que eu vejo é branco, em todas as direções. O chão é branco, as paredes são brancas, o teto é branco, o que faz com que a escuridão da sombra se destaque ainda mais. Ela está a 5 metros de mim, meu impulso é correr, e é isso que faço, corro o mais rápido que eu posso, ignorando a dor em meu corpo e em meu pulmão pelo meu péssimo condicionamento físico, respiro pela boca e corro, sem olhar para trás.
Estou correndo infinitamente, nada muda, corro em linha reta, e há branco para todo lado. A sombra está em meu encalço, mas ela não corre como eu, parece se divertir com meu desespero. Minhas pernas cedem e eu tropeço, do chão eu vejo a sombra se aproximando, lentamente. Eu sou a presa.
Quando ela me alcança, sinto de novo o frio se alastrar, mesmo que eu esteja suando. Ainda estou respirando com dificuldade, sinto vontade de chorar, sinto medo, ela está sobre mim, ela vai me consumir! Sinto - a entrar dentro de mim, se fundir com minha pele, quero gritar, mas não consigo, minha garganta está seca e nada sai.
Então, não estou mais na imensidão branca, estou sobre um lago. A água fria banha meus pés, vejo meu reflexo na água, olheiras sob meus olhos, súplica em meu olhar, e a sombra está lá, consigo vê - la através do meu reflexo. Eu não consigo fugir, ela está sempre atrás de mim.
O chão cede, sinto - me afundar, estou submergindo, estou descendo cada vez mais profundo. Preciso respirar mas não posso, a água gelada me envolve, estou me afogando. E a sombra está lá, não posso fugir dela, não posso fugir porque ela faz parte de mim.
De repente estou no quarto, na cama. Suor escorre aos montes, quente, respiro desesperadamente, preciso de ar, meus pulmões doem, minha cabeça dói, meus olhos pesam, quero chorar mas não consigo. A agonia ainda está lá, abraço o edredom, estou com sono, preciso dormir, quero dormir, mas não consigo. Quero chorar como um bebê, porque não consigo adormecer.
Os pensamentos continuam rondando a minha cabeça, a música está em algum lugar ao fundo, mas não presto atenção. O sono pesa, viro e me reviro, não sei quanto tempo, sinto a consciência me deixando.
Barulho, barulho irritante, é isso que meu cérebro registra. Gemo de infelicidade, o despertador está tocando, adio, fecho os olhos novamente. Não parece que se passou nem um minuto, e lá está o toque insuportável, desligo. Com relutância levanto, os olhos desfocados pelo sono, meu corpo pesado protesta para deitar novamente, mas não posso.
Assim como não posso fugir da sombra e assim como não posso dormir direito, é um ciclo.
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A sombra
Short StoryDormir é bom, tentar dormir é insuportável, como uma tortura particular, e a sombra estará lá, no canto, me observando. // Pode conter gatilhos para quem tem ansiedade. Conto autoral, não aceito plágio. A arte da capa não me pertence, créditos ao...