Quando finalmente terminei de me arrumar pela manhã, andei o mais rápido que pude até o escritório. Eu precisava conversar com alguém sobre o que havia acontecido.
— Bom dia! — A professora Dovey me cumprimentou com um sorriso largo e o bom dia mais alegre de todos os tempos.
— Bom dia — respondi sem muito entusiasmo, caminhando em direção à minha mesa. A noite anterior não parava de se repetir na minha mente.
— Parece que alguém não acordou de bom humor — comentou ela, sorrindo, o que me deixou um pouco incomodada.
— Estou ótima — forcei um sorriso e me sentei na cadeira em frente à mesa dela, ficando frente a frente.
— Imagino que seja por causa da Lesso — ela levantou uma sobrancelha, me encarando, e eu revirei os olhos só de ouvir o nome daquela mulher. — Ela não pode ser tão ruim assim, não é?
— Aquela ruiva me chamou de “cachorrinha”. — Havia muitas coisas que eu poderia contar sobre ontem. O fato de uma mulher com quem nunca conversei ter me prensado contra a estante, me chamado de “rainha” em uma língua antiga e... de alguma forma isso ter sido intrigante poderia ser uma delas. Mas talvez fosse cedo demais para isso. — Ela disse que, da próxima vez, você mesma deveria ir, e não mandar a sua “cachorrinha”. — Clarissa parecia surpresa.
— Bem, tenho certeza de que ela não teve a intenção de te ofender, querida — disse ela com uma voz calma, tentando amenizar a situação.
— Claro, chamar alguém de “cachorrinha” não é ofensivo — falei com ironia. De todas as coisas que aconteceram ontem, essa era a que menos me incomodava ou chocava, mas parte de mim ainda estava um pouco ofendida.
— Achei que vocês se dariam bem... — O sorriso brilhante em seu rosto desapareceu, e eu me senti culpada por isso.
— Sério? Clary, por que você acharia uma coisa dessas? Eu sou uma “sempre” e ela uma “nunca”. Você mesma diz que bem e mal não se misturam, então por que seria diferente? — Arrumei minha postura na cadeira enquanto falava. Ela abriu a boca para responder, mas pareceu reconsiderar.
— Ah, bom... Lesso não é uma pessoa tão má assim. — Ergui uma das sobrancelhas. — É só que… — Clarissa suspirou, derrotada. — Toda vez que você lê um livro ou tocamos no assunto sobre vilões, você sempre diz que eles são mais interessantes. Então, eu pensei...
— Mas isso… — Desviei o olhar por um momento. Ela realmente tinha razão. — Isso não é um bom motivo para você querer me aproximar daquela mulher. — Talvez fosse sim. Olhei novamente para ela, tentando parecer mais calma do que eu realmente estava. — Clary, eu acho os vilões interessantes, mas isso não significa que eu queira ser próxima deles.
— Está certa... desculpe. — Seu olhar vacilou, e a culpa apertou ainda mais meu peito.
— Olha, não precisa se desculpar. Eu só não quero ter que conversar com aquela insuportável de novo — tentei parecer firme, mas minha voz me traiu ao me referir a ela.
Lembro-me de quando vi Lesso pela primeira vez e de como ela parecia assustadora, observando cada um de nós, nos julgando com o olhar. Ontem não foi diferente; seus olhos percorreram cada parte do meu corpo, e só de lembrar disso meu rosto queimava. Apesar de toda "regra" de que os “nuncas” deveriam ser feios, Lady Lesso parecia não se importar com isso. Eu não posso mentir para mim mesma a esse ponto: negar que aquela mulher era bonita e intimidadora seria um pecado.
Olhei pela janela. A vista seria realmente linda se a Escola do Mal não atrapalhasse. Eles sempre atrapalham tudo.
— Não sei se isso será possível, querida, mas farei o que estiver ao meu alcance — disse Clarissa, e eu dei um sorriso torto. Parece que vou realmente ter que aguentar aquela mulher por muito tempo. — Mas, falando de outra coisa, hoje não temos muito o que fazer. Você pode ficar de folga, se quiser.
— Se eu soubesse disso, teria ficado na cama e não acordado tão cedo — brinquei com um sorriso ladino. Clarissa deu uma risada baixa.
— Bem, eu ia te contar ontem, mas como você demorou naquela conversa com a Lesso…
Era incrível como tudo parecia me levar de volta a ela. A noite de ontem, por mais que eu tentasse, não saía da minha cabeça. A sensação da mão dela segurando minha cintura, seu corpo junto ao meu, aqueles olhos... Ah, aqueles olhos…
— Ahmya?
— Desculpe, o que disse? — Soltei a respiração que nem notei estar prendendo.
— Eu estava falando sobre o baile de fim de ano… — Seu rosto ficou sério e seus olhos preocupados. Ela iria me encher de perguntas. — Algo mais aconteceu ontem à noite? Você parece um pouco aérea hoje, querida.
Sim, aconteceu algo. Conheci Lady Lesso.
— Não, nada. Ela só foi extremamente irritante — respondi com indiferença. — Já que você não precisa de mim, acho que vou sair um pouco. Preciso de ar livre, talvez eu voe com o Ragnar. Tem algum problema?
— Ele está lá embaixo há semanas, tem certeza de que é uma boa ideia? E se ele estiver bravo? — Sua voz estava cheia de receio. Ragnar é meu dragão, grande e velho, com escamas verde-acinzentadas. Ele estava há algum tempo no poço do castelo porque eu não tinha tido tempo para voar com ele.
Não é comum que princesas tenham dragões; geralmente são cachorrinhos ou gatos. No Submundo, após Alice derrotar o Jaguadarte, foram descobertos ovos do mesmo, mantidos em segredo por anos. Alguns ainda não chocaram. O meu dragão, Ragnar, chocou semanas antes de eu nascer. Já Lancar, o de minha irmã mais velha, Adhara, chocou-se ao mesmo tempo que ela nasceu.
— Ele não vai machucar nenhum aluno, Clary, eu prometo — respondi com um sorriso confiante.
— E você? — Uma pergunta genuína. Sei o quanto Clarissa se importa comigo e sou eternamente grata a ela por isso.
— Ele nunca me machucaria — disse calmamente. Levantei-me para sair, mas antes dei um beijo em sua bochecha. Dovey era como uma irmã mais velha e, às vezes, até mesmo uma mãe. Sorri para ela antes de sair pela porta.
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Voar com Ragnar era simplesmente a minha sensação favorita; o vento batendo no meu rosto parecia levar todas as minhas preocupações e pensamentos com ele.
Passei quase uma hora inteira sobrevoando os castelos. Eu continuaria se não tivesse visto as duas caminhando pela ponte que liga as duas escolas: Lesso e Dovey. Decidi, então, fazer uma surpresa para as reitoras.
Ragnar pousou na frente delas, surpreendendo a ruiva. Duvido muito que ela soubesse sobre meu dragão, já que levou um susto quando aparecemos à sua frente. Minha gargalhada foi levada pelo vento.
— Ahmya! — Dovey chamou minha atenção. Foi aí que Lady Lesso me olhou e me viu em cima do dragão. Ela parecia aliviada, mas ao mesmo tempo irritada.
— É claro que você tinha que ter um dragão, não é? — Lesso murmurou entre os dentes. Eu estava adorando aquilo.
— Exatamente, afinal, toda princesa tem um bichinho de estimação — sorri para ela. Ragnar se mexeu embaixo de mim, se aproximando das duas, e Lesso deu um passo para trás, olhando para o dragão. Tive que segurar o riso.
— Ele não vai machucar a Lady Lesso, não é, Ahmya? — Dovey me olhou, e eu ainda encarava a ruiva, que agora me olhava de volta.
— Não se eu quiser, mas mudo de ideia rápido — aproveitei para provocá-la. Eu jamais a machucaria, não que eu sinta algo... Jamais! Eu só não machucaria ninguém assim, afinal, sou uma “sempre”, uma princesa.
— Senhorita Caelum! — Olhei para a professora Dovey. O sorriso que antes estava no meu rosto se desfez. Eu odiava quando me chamavam pelo sobrenome.
— Paraíso? — A voz de Lesso era provocativa. “Paraíso” é a tradução do meu sobrenome. Ela me olhou com um pequeno sorriso no rosto.
Sem dar tempo para que dissesse mais alguma coisa, voei com Ragnar para o mais longe possível, deixando-as para trás.
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Apricity - Lady Lesso
Fanfiction- Escola do bem e do mal - Era uma vez... A Princesa Ahmya Caelum. Segunda filha da Rainha Branca, do país das maravilhas. A garota ainda nova, tinha uma beleza estrondosa, algo incomum, que mexia até com algumas princesas da Escola do Bem. Sua pele...