2 - Não Gosto De Mudanças

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NaomiSegunda-feira, 02 de março de 2020

Eu estava sentada na escadaria do colégio, esperando pela minha melhor amiga e cogitando que dali para frente o desastre era algo certo em minha vida.

— Minha nossa, Naomi — Luiza exclamou, me fazendo olha-la com atenção. — Parece até que seu cachorro acabou de morrer e não que você está indo estudar no melhor colegio da cidade, além de se mudar para um condominio foda.

Eu realmente queria que minha expressão não fosse de alguém prestes a ser torturado, mas olhar para trás e pensar que estava deixando toda uma vida não era fácil. Eram anos estudando naquele colégio e mais anos ainda morando na casa que teria que deixar muito em breve. Tudo isso porque agora meu pai tinha dinheiro o bastante para dar uma vida melhor para nós. Eu sabia que deveria estar agradecida e isso só me fazia sentir pior por não ficar completamente animada.

— Só não gosto de mudanças — eu expliquei, fazendo Luiza se sentar ao meu lado e passar os braços por meu ombro.

— Pensa que vai ser para melhor, tudo que o tio Fernando e a tia Clara querem é o seu bem. Sem contar que o Colégio Santa Cruz vai te dar bem mais oportunidade e suas chances em medicina só aumentam.

— É, eu sei — eu concordei, soltando um suspiro. — Só parece que já tudo errado. Quem começa as aulas três semanas depois e ainda vai só na terça?

— Bom, você que quis se despedir daqui — Luiza falou, dando um sorriso compadecido.

— Era o certo.

Não demorou muito para que nós duas víssemos o carro do meu pai parando na frente do portão amarelo, o que me fez me levantar, assim como minha melhor amiga. Nós nos abraçamos e foi inevitável que as lágrimas se tornassem presentes em nossos olhos.

— Ainda vamos nos ver sempre e conversar todos os dias, beleza? — Luiza perguntou e eu concordei, lhe dando mais um abraço, antes de sorrir e ir até o carro, acenando.

Eu sabia que estava me mudando apenas de colégio e bairro, não de país, mas ainda assim, era doloroso abandonar o que tinha sido minha realidade por anos e mais doloroso ainda saber que eu não veria Luiza todos os dias.

Assim que me sentei no banco do carona do Fiat Argo, dei um sorriso gentil para meu pai, que também sorria para mim, de forma que seus olhos cor de ébano, finos e puxadinhos nos cantos, ficavam ainda mais gentis. Era uma das características que eu tinha puxado do homem, já que tinha aqueles mesmos olhos, porém, os meus ainda não possuíam as marcas de expressão por conta da idade. Fernando também estava com os cabelos pretos penteados para trás e era notável o bigode querendo nascer logo acima dos lábios.

— Como foi seu último dia? — o homem questionou assim que começou a dirigir.

— Últimos dias nunca são legais, mas eu gostei de me despedir — falei, forçando um sorriso.

A realidade era que eu tinha passado a ter medo de coisas novas e talvez, uma parte minha, também tivesse medo de me relacionar com qualquer outra pessoa que não fosse Luiza, ou minha família. Já tinha me magoado e não estava disposta a ter meu coração partido por quem quer que fosse. O que acabava dificultando a mudança, considerando que nova escola significava novas pessoas.

— Sua mãe disse que vai fazer somen para o jantar hoje — meu pai avisou, me deixando um pouco animada.

Eu adorava quando minha mãe decidia preparar comidas japonesas, o que acabava não acontecendo com muita frequência, mas sempre deixava eu e meu pai — que tinha nascido em Himeji, no Japão — completamente felizes.

Ter aquela informação foi suficiente para que eu relaxasse no banco do carona e deixasse os pensamentos sobre meu futuro um pouco de lado. Não importava se me mudaria em poucos dias, ou se iria para um colégio novo, naquele momento tudo que eu desejava era ter um jantar com meus pais e sentir o resto de tranquilidade enquanto fosse possível.

30 Dias • 2020Onde histórias criam vida. Descubra agora