Pêssegos Silvestres

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As flores do pessegueiro caiam suavemente no quintal da Hanok, enquanto Yeosang e o pequeno aluno se deliciavam com uma cesta de pêssegos corados. O aluno deu uma mordida na casca macia da fruta, e sorriu para o jovem professor, que limpou o seu rosto com um lenço.

Até que eles escutaram um som incomum para o vilarejo nas montanhas. Um carro estacionando no portão.

Wooyoung saiu do carro, ele ainda estava usando as desconfortáveis roupas do trabalho, afrouxou a gravata para conseguir respirar o ar estranhamente puro daquela parte do país. Yeosang entreabriu a porta, e encarou o velho amigo como se fosse um desconhecido.

-Yeosang? Wooyoung se aproximou.

-É você? Respondeu o jovem professor, desconfiado.

-Sim! Sou eu! Seu amigo Wooyoung! Ele sorriu, feliz em rever aqueles olhos, mas triste com a fria recepção.

-Qual é o meu apelido?

-Como assim, Hehe-mon? Você não se lembra de mim?

-Eu lembro, mas como posso saber se é você mesmo?

Wooyoung suspirou, mas respondeu a pergunta:

-Doberman

Yeosang abriu a porta, mas continuava encarando friamente Wooyoung, até que ele se aproximou do velho amigo e o abraçou. O aluno continuava comendo, distraidamente, a presença de outro adulto não significava nada para ele. Wooyoung devolveu o abraço e acariciou o cabelo do amigo.

-Quanto tempo, disse Wooyoung, segurando as lágrimas.

-Vamos tomar um chá? Yeosang sorriu.

-Não tem café?

Eles riram, afinal Wooyoung detesta chá.

...

O jovem aluno estava pintando uma paisagem, enquanto os dois adultos bebiam chá e café. Eles estavam sentados em confortáveis almofadas azuis em volta de uma mesinha de centro. A Hanok do final da Era Joseon era escura, mas acolhedora. A casa não possuía retratos e havia caixas para todos os lados, como se Yeosang tivesse se mudado ontem. O aroma do chá de pêssego era mais forte que o aroma do café, era como se um velho dragão azul estivesse ganhando a batalha contra um imenso jovem dragão vermelho. Wooyoung percebeu a onipresença dos pessegueiros na entrada da vila, além da população incomum de crianças, afinal os vilarejos coreanos são povoados principalmente por idosos.

-Aqui tem muitas crianças, disse Wooyoung, bebendo um gole de café.

-Ah sim! A maioria delas mora na cidade com os pais, porém eles costumam deixar elas aqui com os avós, eu dou aula em uma escola de educação infantil na cidade.

-Yeosang, você não se importa em ganhar menos do que você ganhava em Seoul? Você era professor em uma escola de elite e os seus alunos gostavam de você…

Yeosang encarou o amigo com um olhar vago, ele havia se desacostumado com aquele olhar hermético, misterioso, tão escuro quanto um quarto fechado ou um céu sem estrelas. Wooyoung se lembrou da época do colégio, quando o amigo apenas ficava em silêncio, encarando um lugar no vazio. Naquele momento, ele sentia como se sua alma estivesse sendo analisada por aquele belo par de olhos. Yeosang inclinou o rosto, e bebeu mais um gole de chá antes de dizer:

-Eu não me importo mais com essas coisas, eu prefiro ficar aqui, ensinando, cuidando, protegendo essas crianças que precisam de alguém, alguém mais compreensivo e amoroso que os seus pais. Era frustrante ensinar “os futuros líderes do país” eu não podia dizer várias coisas, e claro, eu deveria ignorar os problemas dos alunos, você sabe como são os ricos, eles sempre acham que estão fazendo um ótimo trabalho enquanto traumatizam as suas crianças…

-Compreendo, você se cansou do mundo, né?

-Sim, me cansei, ele sorriu, e olhou para o seu aluno, que estava terminando de pintar uma cena do vilarejo.

-Quem é esse menino? Perguntou Wooyoung, terminando o seu café.

-É um dos meus alunos, os avós dele estão na cidade hoje, então deixaram ele comigo, o nome dele é Min-jun

-As pessoas daqui confiam mesmo em você, isso porque os interioranos costumam desconfiar das pessoas de Seoul

-Eles não estão errados, a cidade grande possuí muitas pessoas que não prestam, mas eles confiam em mim, não sei porque, acho que porque aparento ser frágil e doente, logo eles ficam com pena de mim, ele deu uma risada, uma risada que Wooyoung não entendeu se era sarcástica ou triste.

-Eu vi a Ha-yoon esses dias, ela está morando com a mãe e perguntou de você

A expressão de Yeosang ficou sombria, ele colocou a xícara na mesinha, suas mãos tremeram, como um pequeno terremoto.

-Fico feliz que ela tenha se livrado daquela imitação de pai…

-Também, eu ajudei no caso dela, foi difícil, mas amigo, você não precisava ter feito aquilo…

Ele respirou fundo e com força, fechou as mãos, era como se ele estivesse prestes a socar alguém.

-Eu precisava, Woo, eu precisava, se não nada ia acontecer com aquele desgraçado que machuca a própria família…

-Eu sei, eu sei, mas você poderia ter sido preso, ele tinha muito dinheiro…

-Eu não me importo! A voz de Yeosang se elevou, Eu realmente não me importo quantos wones ele tem ou tinha na conta! Eu apenas me importo com a dor da Ha-yoon! Eu não me importo que ele nunca mais vai conseguir respirar direito pelo nariz, ou que ele vai ter que passar a vida inteira usando aparelhos! Ela era minha aluna e estava sofrendo! Nenhuma criança deveria sentir o que ela sentiu!

Yeosang se levantou, suas mãos continuavam fechadas em dois punhos, ele ficou de costas para Wooyoung e começou a respirar pesadamente. Min-jun percebeu a tristeza de seu professor antes mesmo que as lágrimas começassem a escorrer, ele se levantou e abraçou as pernas dele.

-Não chora, Senhor Kang…

O jovem professor pegou o seu aluno no colo, e tentou conforta-lo:

-Tá tudo bem, Min-jun, ele bagunçou os cabelos do aluno.

Wooyoung apenas observava aquela cena. Ele ainda se lembra de como utilizou todas as suas habilidades jurídicas de advogado para proteger o amigo. Claro, ele não conseguiu salvar o emprego de Yeosang, mas conseguiu impedi-lo de ser preso, ou coisa pior, afinal os ricos, quando possuem a alma tomada por fantasmas famintos, não poupam esforços para destruir a vida de seus inimigos. Wooyoung acreditava que o amigo fosse mudar de cidade, mas nunca imaginou que ele se exilaria nas montanhas, como faziam os poetas e filósofos de Joseon quando os seus Reinos eram derrubados.

Yeosang levou Min-jun para o quarto e arrumou a cama para ele. O pequeno aluno dormiria até os seus avós virem buscá-lo. Wooyoung se levantou, e disse, em voz baixa para não acordar a criança:

-Acho que preciso ir…

-Ah sim, a viagem é longa, Yeosang beijou a testa de Min-jun e se levantou para acompanhar Wooyoung até o seu carro.

Algumas flores do pessegueiro haviam caído no capô do carro. Eles se abraçaram, Wooyoung segurou carinhosamente o rosto do amigo e encarou aquele par de olhos em forma de pétalas.

-Se cuida, ok? E se você se meter em encrenca, é só me chamar, até se precisar enterrar um corpo, eu sou advogado, eu sei lidar com essas coisas!

Eles riram, como nos tempos do colégio. Wooyoung entrou no carro, acenou para o amigo, e partiu pela estrada de terra batida. Yeosang ficou alguns minutos observando o carro desaparecer na descida das montanhas. Ele havia se tornado um apanhador no campo de centeio, impedindo as crianças de caírem do penhasco. As lágrimas escorreram, ele nunca mais voltaria a ser quem foi, mas ele ainda estava vivo.

Enquanto isso, Min-jun dormia tranquilamente e as flores do pessegueiro eram levadas pelo vento.

Pêssegos Silvestres - WoosangOnde histórias criam vida. Descubra agora