2ª parte - final

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As mãos dele - de Liam - ensopavam com uma espécie de água com cheiro e gosto de sangue. Mas não era sangue.

O guarda chuva velho foi encontrado pela menina em um escritório nos adentrares do Euthanas. A haste de ferro que firmava o guarda chuva já estava se deteriorando.

Mesmo estando em uma estrada com árvores e geada, eles ainda se encontravam presos nos limites de Euthanas, cercado pelos muros. A água que ensopava a mão de Liam era resultado da água de chuva com a ferrugem da sombrinha.

Olga, diferente de todos ali, decidiu dar uma resposta clara a Liam sobre o que era o hospital Euthanas. Lê-se eu-tâ-nas, com a sílaba tônica sendo a do meio "tâ".

Porém, mesmo que Olga queira explicar aquilo tudo, era meio difícil, já que Euthanas escondia muita história.

Mas mesmo assim, tomou coragem e tentou descrever o seu lar. Ela tinha 12 anos e usava aqueles vestidos antigos e tinha um cabelo extremamente longo, fino e branco.

-Fiz o seu chá de camomila.

-Não precisava, eu mesmo ia fazer.

Olga ficou incrédula com aquela frase.
-Homens não mexem na cozinha.

-Mas que pensamento preconceituoso. Eu sei cozinhar muito bem.

-Olha, Liam - disse Olga se sentando - você realmente não deveria entrar aqui para começo de conversa. Mas já que você entrou, isso pode te ajudar na matéria do seu curso. Então escute bem.

-Matéria? Seria história?

Olga parecia impaciente consigo mesmo. Era muito difícil abrir os seus próprios olhos, imagina abrir os olhos de outras pessoas. Tanta coisa aconteceu naquele tempo, é um pedaço da história que mancha os livros.

-Está vendo essa imagem que você pegou no manicômio?

-Aquilo era um manicômio?

-Era para ser, mas assim como o Pacificador, foi um projeto abandonado. Virou o lar dos sonâmbulos.

-Entendo

Olga pegou o papel e mostrou a imagem que estava nele.
-Isso é uma escultura de gelo em formato de brócolis. Todos daqui almejam ver isso.

Liam ficou confuso. Isso deixava mais perguntas do que respostas.
-Onde fica essa escultura?

-Escute, Liam. Sabe os idosos que você viu quando chegou aqui? Eles são mais tranquilos por isso, Liam. Eles já tiveram o seu tempo.

-Desculpa, eu ainda não estou entendendo. Como assim tiveram seu tempo? Eles ainda têm, não?

-Liam - Olga parecia estar desconcertante em relação ao que ela podia ou não falar - os jovens daqui são mais ignorantes pois eles não tiveram a oportunidade de viver uma vida digna, entende?

-Acho que estou entendendo...

-Principalmente eu. - Completou Olga ficando mais triste

Liam bebeu um pouco do chá. As peças começaram a encaixar na cabeça dele

-Tudo que você vê aqui não é real.. mas já foi um dia. Entende? Somos filhos das cinzas.

-Compreendo. Então isso.. esse lugar é algo imaterial?

-... Podia não ser. Mas como os diretores quiseram assim.. - Olga passou os dedos na cortina, afastando-a da janela de mesma maneira que afasta o cabelo de seu rosto

-Como eu saio daqui? Quer dizer, eu lembro de ser algo material, algo sólido. Não sou uma lembrança, eu sou?

-Não, não. - disse Olga ainda olhando para a paisagem, os olhos perdidos - Você é mesmo uma pessoa vívida, está aqui por um engano.

O clube dos sonâmbulos (conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora