Capítulo 1

324 15 0
                                    

AYLA MILANI

Acordo assustada com o despertador soando debaixo do meu travesseiro. Sempre uso essa técnica do susto quando vou dormir muito tarde ou estou muito cansada, porque se eu dependesse da minha mãe para acordar, eu jamais iria para a aula.

Hoje é o primeiro dia do último semestre do terceiro ano, graças a deus. É o começo do fim desse inferno.

O inferno que eu falo não é na escola, não. Falo do inferno que vivo dentro de casa. Este é o motivo pelo qual não vejo a hora de me formar, passar em um vestibular, qualquer que seja, em uma cidade distante e dar o fora daqui.

Me arrasto para o banheiro e vou para dentro do box tomar uma ducha antes de escovar os dentes. Quando termino, sigo para o meu armário para me vestir com a camiseta do uniforme do colégio, e a primeira calça jeans que vejo pela frente. Nos pés coloco o habitual Vans preto, presente que ganhei de Nick em algum aniversário.

Desço as escadas e vou para a cozinha na esperança de tomar um café preto com algumas torradas, se tiver.

No entanto, logo sinto um cheiro agradável e avisto Nick no fogão, mexendo algo na frigideira com um avental amarrado na cintura. Dou um sorriso involuntário com essa visão, não é comum dele se aventurar nas artes culinárias.

— Humm, o cheiro está bom – falo, chegando ao seu lado para ver o que está fazendo.

— Bom dia, pequena – diz quando me aproximo, dando um sorriso alegre – fiz bacon com ovos pra você ter um bom primeiro dia na escola hoje.

Nicholas me chama dessa forma desde quando consigo me lembrar, e muito embora eu já não seja mais tão pequena, ele continua usando o apelido carinhoso.

— Obrigada, Nick – falo agradecida, espontaneamente lhe dando um beijo no rosto – Já estava imaginando que teria que me virar com as torradas. Onde está minha mãe? – pergunto, já que ela não está em nenhum lugar à minha vista.

Nick limpa a garganta e logo responde:

— Ela tomou um remédio e disse que iria tentar dormir mais um pouco, parece que estava com enxaqueca de novo.

Aceno com a cabeça e me sento em uma das cadeiras. De qualquer forma, Liz nunca faz o café da manhã para mim, então a presença dela é indiferente. Nick desliga o fogo e despeja o conteúdo da frigideira no prato em minha frente.

— Bacon com ovos não tem como errar, então deve estar bom – fala e dá uma piscadela.

Desvio o olhar para o meu prato rapidamente e dou uma garfada.

— Está ótimo – digo com sinceridade – você não vai comer?

— Já tomei café e comi algumas frutas, estou satisfeito – responde enquanto lava as mãos na pia.

Meu coração se aquece e fico comovida ao saber que ele preparou isso só para mim.

— Você precisa de carona para a escola? – pergunta.

— Nick, você sempre pergunta isso. Eu agradeço, mas como já falei antes, moramos apenas a alguns quarteirões da escola, posso ir a pé.

Me olha e eu sei exatamente o que está pensando. Ainda que seja pouca a distância, ele acha perigoso que eu vá andando sozinha e gostaria que eu aceitasse suas caronas. Moramos na cidade de Marília, interior de São Paulo, a criminalidade aqui não é inexistente, mas nosso bairro é relativamente seguro, então não há nenhum perigo real, pelo menos não a essa hora da manhã.

Diferentemente da minha mãe, Nicholas sempre foi muito protetor comigo. Sou demasiadamente grata a ele por tudo que já fez pra mim, entretanto já não sou mais a mesma garotinha indefesa que um dia eu fora. Uma pequena parte de mim gostaria que ele não me enxergasse mais dessa forma, uma parte de mim que eu tento reprimir a todo custo.

Cortando LaçosOnde histórias criam vida. Descubra agora