MINHA DIABINHA

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Meu lírio passa por mim no corredor da escola, tão perto que consigo sentir o seu cheiro. Sinto dificuldade para me controlar, quase perdendo a noção de onde estava. 

Acostumada com os olhares masculinos, ela apenas continua seu curso normalmente. Evito olhar para ela em público, sabendo que a cobiça poderia ser vista. Era quase impossível de disfarçar agora. Àquela altura, já estava me levando à loucura. 

Ergo meu celular de forma discreta e tiro algumas fotos dela. Aprecio as imagens, podendo no particular me reter a cada detalhe. Quando ouço a voz do rapaz, no entanto, todo o meu bom humor vai por água abaixo. Levanto os olhos e sinto o sangue subir para o meu rosto. Fecho as mãos com força, escondendo a reação. Ele a puxa para si no meio do corredor e a beija. Era claro para todos que viam que só fazia isso como uma prova de que ela o pertencia. Ele estava marcando território. Liz se afasta constrangida, só que em seus olhos quando o olha, vejo o que mais odeio. Aquelas lindas órbitas azuis simplesmente brilham para ele, em deleite de vê-lo. Meu lírio estava completamente iludido. Amava aquele moleque inútil, e por isso ele era quem mais odiava. Uma barata que precisava eliminar.

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Passo o dia me forçando a dividir minha atenção além de Liz. Quando chega a hora de estar com ela, minha energia se renova. Ela entra na sala e não olha para mim. Não precisava olhar. Era irritante. No entanto, sabia que era o tratamento que dava a todos. Ela não olhava para ninguém. Nem ela e nem o seu namorado detestável. Mas ali, eu podia ter sua atenção. Ela podia ser toda minha. 

– Pode me explicar isso? - Ela pede, seus lábios ficam levemente entreabertos quando finalmente se vira para mim. 

A sala está uma bagunça por causa dos exercícios na lousa. Reprimo com toda a força a cobiça e tento não demonstrar tudo o que ela me faz sentir. Evito olhar demais para ela, mas consciente e aproveitando sua proximidade. Aproveito seu cheiro doce. Seus cabelos longos que, conforme fala, tocam em minha pele. Aperto as mãos sobre o colo e respiro fundo.

 – O que você não entendeu? - Minha voz sai indiferente, como eu queria. Ela começa a falar e eu apenas ouço. Presto atenção nas informações que ela me dá. Admiro cada parte do seu rosto em silêncio. 

Liz tinha uma rotina simples de seguir. Suas aulas eram, em sua maioria, matérias básicas, como matemática, português, história e biologia. E ela optava por várias matérias complementares como canto coral, teatro e dança. Ela se destacava em todas e por isso todos conheciam seu nome. Mas não foi assim que eu a conheci. Meu lírio tinha apenas dez anos naquela época. 

Eu costumava estar sempre com ela. Éramos inseparáveis. Quando a vi pela primeira vez, eu soube, ela era diferente. Era feita para mim. Mesmo sendo muito jovem, eu podia entender isso. Então, desde essa época, a protegi. Ela era pequena e havia um garoto que sempre insistia em querer chamar sua atenção. Foi quando comecei a odiá-lo. Ian. 

– Liz, vamos ao parque? Ela olhou para mim. Aquele olhar não conseguia esconder seus sentimentos. Ela queria ir. Mas esperava que eu permitisse. 

– Não hoje, Ian. 

Ela ainda entendia meus sentimentos a ponto de se importar e respeitá-los. 

Estávamos caminhando para o fim do semestre. O clube de teatro encenava uma peça simples de primavera. Tudo o que me importava era ver meu lírio atuando. Subia até a sala de projeção, que sempre estava vazia, e assistia. Tirava algumas fotos e, em segredo, me deleitava com a imagem dela. 

– Podemos incluir um beijo entre o rei e a princesa fada, acho que ficaria mais animado. 

Fechei as mãos em punhos. O garoto audacioso sugeriu a cena como se não quisesse nada, mas eu o conhecia bem. Sabia o que ele queria. Sempre havia Ian e sua sombra. 

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