Capítulo 2 - Anna

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Desde que eu era uma pequena garotinha já possuía sensibilidade com barulhos, as vezes tem dias que sou tão sensível que o menor ruído é como se alguém usasse uma longa e fina agulha para cutucar dentro da minha cabeça através dos meus ouvidos e inúmeros médicos já tentaram me tratar, porém nenhum deles foi capaz de encontrar uma forma de aliviar meu problema sem usar drogas caras e viciantes.

Quando eu tinha nove anos durante um passeio pelas ruas da capital acabei ficando muito sensível e me separei dos meus pais sem perceber. Vaguei por uma larga rua recheada de pessoas enquanto procurava um lugar calmo para descansar e então foi naquele momento que eu escutei algo diferente vindo de uma viela entre duas lojas, era uma canção.

As pessoas passavam como se não pudessem escutar, entretanto ela chamou minha atenção em meio aos diversos sons ao meu redor, parecia que estava sendo enfeitiçada pela música e fui atrás da pessoa que estava cantando.

A viela mesmo durante o dia era sombria, suja e tão estreita que nem duas pessoas conseguiriam andar lado a lado e conforme adentrava mais destoante das ruas principais ela se tornava, no entanto, a canção se tornava cada vez mais clara assim como o final da passagem.

Ao finalmente cruzar a viela cheguei em um espaço aberto rodeado de casas pobres com uma fonte quebrada no centro e encostada em sua borda lá estava ela, completamente agachada com cabelos pretos sem brilho, usando roupas que mais pareciam trapos e enquanto me aproximava os sons que me atormentavam desapareciam deixando apenas a canção que por algum motivo me acalmava.

Me aproximei devagar, mas apenas quando já estava a poucos metros ela levantou a cabeça me permitindo ver seus olhos marejados, pretos e opacos escondidos atrás de sua franja. A garota estava suja da cabeça aos pés, com uma bochecha inchada e hematomas por todo o corpo, contudo, eu fui tomada por um forte desejo de tê-la ao meu lado.

Levou bastante tempo para convencer meus pais de contratarem uma garota desconhecida das ruas como minha serva pessoal, mas mesmo com todas as desavenças que ocorreram entre nós, jamais me arrependerei de torná-la minha melhor amiga e servente de confiança.

Lembro perfeitamente quando vi ela limpa e com uniforme de empregada pela primeira vez, nem mesmo um nome ela tinha, seus cabelos negros brilhavam e seus olhos ainda estavam opacos como se representasse sua falta de amor-próprio, contudo com o passar do tempo e conforme fui conquistando sua confiança eles se revelaram ser cheios de vida, brilhantes e pretos com um leve toque de roxo que os fazia se assemelhar a obsidianas, além de carinhosamente a nomear de Anna.

- Senhorita. – Uma voz brotou em meio ao silêncio e ao abrir meus olhos pude ver sua figura iluminada pela lua me estendendo a mão.

- Anna... – Chamei baixinho o seu nome.

- Senhorita, o chão está frio. – Ela disse com um leve sorriso.

- Vamos para casa... – falei com um rosto cansado enquanto me levantava com sua ajuda.

- Como quiser Senhorita. – Um sorrisinho ainda mais visível está estampado em seu rosto.

Parece que eu não era a única que não queria estar aqui.

Não sei se foi porque queria retornar para mansão o mais cedo possível, ou se estava muito cansada para perceber os meus arredores, no entanto chegamos à saída do palácio sem que me desse conta e a carruagem cinza com o emblema azul dos Newgates na qual viemos já estava nos esperando para partir.

- Boa noite senhorita. – O cocheiro abriu a porta da carruagem e estendeu a mão para me ajudar a subir.

- Boa noite Hector. – Respondi com um leve sorriso antes de pegar em sua mão. – Obrigada. –

Logo depois de mim Anna entrou na carruagem e se sentou na minha frente, seu rosto parece um pouco aflito e quando nossos olhares se encontram ela rapidamente o desvia. Ela deve estar nervosa por ainda não ter sido questionada. Levou alguns minutos para finalmente o silêncio ser quebrado.

- Senhorita, por favor me perdoe! – Quase batendo a testa nos próprios joelhos, Anna se curvou e apertou com força seus punhos – Eu não devia ter retornado o mais rápido possível!

Devagar repousei minha mão sobre sua cabeça e comecei a acariciá-la, ela levanta o rosto com olhos levemente marejados e expressando dúvida. Peguei sua mão ainda fechada e lentamente a abri, Anna apertou tanto o punho que uma de suas palmas está sangrando.

- Prometi que nunca deixaria de estar ao seu lado, mas num momento em que eu precisava estar lá para ajudá-la... – Enquanto dizia seu olhar ficou triste.

Rasguei uma tira da saia do meu vestido e comecei a enfaixar a mão da Anna.

- Senhorita, seu vestido! –

- Está tudo bem. – Ao terminar de enfaixar me encostei no assento e olhei para fora da carruagem. – Apenas... Cante... –

Anna arregalou os olhos antes de lentamente fechá-los e respirar profundamente para cantar, sua melodia é calma, suave e perfeitamente afinada ao ponto de não precisar de nenhum instrumento para acompanhá-la.

Enquanto escuto a canção sinto com que toda a sensação deincômodo que machuca meus ouvidos se esvai e aos poucos conformeo tempo passa minhas pálpebras começam a pesar até finalmente eu cair no sono. 

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