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Dois dias depois, minha negligência fez com que, tendo deixado sobre minha mesa de trabalho uma carta de Marthe, ela desaparecesse; no dia seguinte, reapareceu sobre a mesa. A descoberta dessa carta arruinava meus planos: eu me aproveitara da licença de Jacques, e de minhas longas presenças, para dar a impressão de que me afastava de Marthe. Pois, se eu me mostrara fanfarrão no início, para que meus pais soubessem que tinha uma amante, começava a desejar que tivessem menos evidências. E eis que meu pai descobria a verdadeira causa de minha moderação.

Aproveitei esse descanso para voltar à academia de desenho; pois havia algum tempo desenhava meus nus por Marthe. Não sei se meu pai o adivinhava; pelo menos surpreendia-se maliciosamente, de uma maneira que me fazia enrubescer, da monotonia dos modelos. Retornei então à Grande-Chaumière e trabalhei muito, a fim de reunir uma provisão de estudos para o resto do ano, provisão que renovaria na visita seguinte do marido.

Revi também René, que havia sido expulso do Henri IV. Agora estudava no Louis-le-Grand. Eu o procurava lá todas as noites, depois da Grande- Chaumière. Nós nos frequentávamos em segredo, pois desde sua expulsão do Henri IV, e sobretudo depois de Marthe, seus pais, que antes me consideravam um bom exemplo, haviam-lhe proibido minha companhia.

René, para quem o amor, no amor, era um estorvo, caçoava de minha paixão por Marthe. Não podendo suportar suas alusões, disselhe covardemente que não amava, na verdade. Sua admiração por mim, que havia fraquejado nos últimos tempos, cresceu no mesmo instante.

Eu começava a me sentir inerte com o amor de Marthe. O que mais me atormentava era o jejum imposto a meus sentidos. Meu enervamento era o de um pianista sem piano, de um fumante sem cigarros.

René, que zombava de meu coração, estava, no entanto, apaixonado por uma mulher que ele acreditava amar sem amor. Esse gracioso animal, uma loura espanhola, contorcia-se de tal forma que parecia ter vindo de um circo. René, que afetava segurança de si, estava muito ciumento. Pediu-me, entre pálido e sorridente, que lhe fizesse um estranho obséquio. Esse obséquio, para quem conhece o ambiente de colégio, era a típica ideia do colegial. Ele desejava saber se essa mulher o enganava. Tratava-se então de fazer-lhe propostas, para descobrir.

Esse serviço me deixou embaraçado. Minha timidez novamente assomava. Mas por nada no mundo eu queria parecer tímido e, de resto, a dama veio me tirar do embaraço. Fez-me propostas tão diretas que a timidez, que impede certas coisas e obriga a fazer outras, impediu-me de respeitar René e Marthe. Esperava ao menos encontrar prazer, mas era como um fumante habituado a uma só marca. Só me restou, portanto, o remorso de haver enganado René, a quem jurei que a amante rejeitava qualquer proposta.

Diante de Marthe não experimentava remorso algum. Esforçava-me por senti-lo. Dizia a mim mesmo, em vão, que nunca lhe perdoaria se ela me enganasse. "Não é a mesma coisa", era a desculpa que me dava, com a notável banalidade que o egoísmo emprega em suas respostas. Assim também, admitia perfeitamente não escrever a Marthe, mas, se ela não me escrevesse, eu veria nisso a prova de que não me amava. No entanto, essa ligeira infidelidade reforçou meu amor.

Jacques nada compreendia na atitude de sua mulher. Marthe, antes tão loquaz, não lhe dirigia a palavra. Se ele perguntava: "O que você tem?", ela respondia: "Nada".

A sra. Grangier teve várias cenas com o pobre Jacques. Acusava-o de mau jeito com sua filha, arrependia-se de havê-la dado a ele. Atribuía a essa rudeza de Jacques a brusca mudança no caráter de Marthe. Quis levá-la de volta para sua casa. Jacques cedeu. Alguns dias depois de sua chegada, conduziu Marthe à casa da sra. Grangier, que, fazendo as mínimas vontades de sua filha, encorajava, sem o saber, seu amor por mim. Marthe nascera naquela casa. Cada coisa, dizia ela a Jacques, lembrava-lhe os tempos felizes em que pertencia a si mesma. Dormiria em seu quarto de menina.

O diabo no corpoOnde histórias criam vida. Descubra agora