Às duas eu tirei a coberta que cobria a cabeça depois de tentar dormir um pouco e ser sabotada pelos pensamentos sobre nós dois. Mais uma noite sozinha quando deveria ser sua companhia. Eu tenho dado o melhor de mim, mas preciso aceitar que encontrou outros braços.
Peguei as malas empoeiradas no armário e abri sobre nossa cama. Guardei suas roupas, mas fiquei com o suéter que te dei no último Natal. Guardei suas lembranças, suas razões e tudo o que poderíamos ter sido. Você jogou fora os anos que não teremos.
Agora as luzes brilhando na avenida me fazem companhia, são quase quatro da manhã. Um disco antigo toca na velha vitrola raveo e a taça de vinho me aquece quando deveria ser você a fazer isso. O cachorro dorme no sofá que ganhamos de casamento, ele iria ficar chateado se mudássemos.
Às quatro e quarenta e cinco você abre a porta do apartamento. Consigo vê-lo daqui da poltrona na varanda. Seu cheiro traz uma mistura de álcool e um perfume que não é o seu, muito menos o meu. Seus olhos se espantam quando avistam as malas ao lado da porta, você tira a gravata amarrotada e passa a mão pelos cabelos atônito. Você entende.
Espero que entre, diga que estou enganada e me prove que ficou preso no trabalho outra vez, mas você não faz isso, sabe que não temos mais nada pra discutir. Seus olhos encontram os meus no escuro quando se abaixa pra fazer um carinho no cachorro, ele vai sentir sua falta. Você sussurra um pedido de desculpas em minha direção e não consigo mais segurar as lágrimas que caem em silêncio dentro da taça de vinho que seguro com a mão trêmula.
Às quatro e cinquenta e seis você chama o elevador e pega suas malas.
Às quatro e cinquenta e sete você fecha a porta do nosso apartamento.
Às quatro e cinquenta e oito a porta do elevador se fecha.
Às quatro e cinquenta e nove meu coração se quebra.
Às cinco, o disco para de tocar.
Acabou.
Tic-Tac.