Parte VIII - Revisado.

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Capítulo VII

Dandara observava curiosamente a figura adormecida na simples cama de madeira. Era de seu conhecimento que a princesa havia aceitado a ajuda de uma desconhecida por puro e simples desespero de que algo fosse acontecer com o bebê em seu ventre, caso recusasse o que era oferecido. Mesmo que não soubesse o que poderia acontecer ao aceitar sua mão estendida.

Como você é corajosa, bana-phrionnsa*.

A jovem podia sentir quão desesperada a monarca estava após sua queda e, por mais que o medo comandasse todas as suas emoções naquele corredor apertado e escuro, a Baldrick também conseguia sentir a determinação emanando dos poros da princesa para salvar o pequeno pedaço de felicidade que crescia em seu corpo.

Ela seria uma boa màthair*.

Por ter alta sensibilidade quando em contato com os sentimentos de outras pessoas, a jovem negra conseguia sentir a calma que vinha de Catarina naquele momento enquanto dormia com as mãos pousadas protetoramente sobre sua barriga.

Embora estivesse tranquila em ann an saoghal nan aisling*, a jovem não iria descuidar com a saúde da princesa, principalmente ao lembrar de que não fora realmente fácil garantir sua segurança no caminho até a cabana dadas as circunstâncias que antecederam seu encontro.

Foram necessárias o uso de doses maiores e mais concentradas de infusão de rooibos* para que ela conseguisse segurar a criança e mais algumas de camomila com mel para que ela descansasse em um sono tranquilo no espaço diminuto da cama.

Enquanto velava o sono da princesa, Dandara não conseguia se impedir de vagar por entre seus pensamentos, se perguntando o porquê de seu caminho estar entrelaçado com os dos monarcas de Montemor e Artena naquele ponto de sua vida.

O destino atua de maneira desconhecida.

Sabia que os vislumbres de antes eram um aviso de que algo importante deveria acontecer, embora sua maioria fossem desfocados e sem nexo. De todos que teve enquanto preparava uma refeição, o único nítido o suficiente para revelar algo foi o de uma jovem de cabelos e olhos negros, trajando um vestido de corte fino e de tecido caro que precisaria de ajuda e que era imprescindível que fosse resgatada o quanto antes.

Mesmo sem saber, bana-phrionnsa enviou um grito de socorro que foi ouvido e atendido por forças que ela sequer conhecia.

O motivo daquela ser sua missão? Dandara poderia apenas especular.

A única coisa que sabia era que, tanto ela quanto sua melhor amiga ― Aisha Elmir ― deveriam ser aquelas que se assegurariam de manter a princesa em segurança, dentro daquela cabana escondida no coração de uma floresta, longe o suficiente de qualquer reino até que o momento certo se fizesse presente.

Desviou o olhar do rosto sereno da monarca para se concentrar por um instante no rosto franzido de Aisha, sentindo a preocupação e a frustração emanar de seu corpo enquanto aguardava a nova leva de infusões de rooibo e funcho ficarem prontas para consumo. A negra não podia afirmar com certeza o que a perturbava, mas ela tinha um bom palpite.

Dandara sabia que a Elmir desaprovava profundamente aquela situação, mesmo que jamais se negasse a prestar ajuda à princesa de Artena. Sua resistência em aceitar o que acontecia nada mais era do medo de que fossem descobertas por pessoas que não entendiam sua cultura e que acabariam por sentenciá-las à uma fogueira como bruxas malditas de outras terras e outros tempos. Medo de que acabassem por ter o mesmo destino de suas irmãs: enforcadas ou decapitadas por se negarem a abandonar sua fé e aceitarem o cristianismo como estilo de vida.

Medo de ter o mesmo fim que suas famílias, tiradas de si em tão tenra idade.

Ainda observando o rosto tenso de sua amiga, Dandara não conseguiu impedir que suas lembranças saltassem em sua mente, vagando por um passado não muito longínquo, mas distante das terras de Montemor ou de qualquer outro reino da Cália. Algumas imagens passavam rapidamente diante dos seus olhos, como os cultos e cerimônias que realizavam alegremente no templo da Deusa com suas irmãs, do conhecimento que recebiam da natureza, das danças de celebração quando uma chuva caía, um sinal de que a fertilidade havia chegado até as Terras Altas.

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