Memórias

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Era um casarão antigo de paredes cinzentas cobertas por musgos e trepadeiras de largas folhas, no jardim havia muitas flores e plantas medicinais, apenas uma das inúmeras estreitas janelas estava aberta e nesta era possível ver a figura magra e pálida de uma mulher com um vestido negro, o cabelo ruivo apresentava algumas mechas loiras e estava sempre preso em um coque, que há algum tempo era frouxo demais, os fundos olhos verdes se tornavam cada vez mais opacos e a pele possuía algumas manchas escuras. Ela era a viúva de um escritor desconhecido, que morrerá jovem por causa de uma doença que nem mesmo os médicos foram capazes de descobrir, a ruiva observava as ruas da grande cidade e o céu cinzento, pensando em como o falecido marido inventaria milhares de comparações para descrever o cenário.

–É a viúva louca, é a viúva louca!– Exclamaram algumas crianças enquanto pulavam na frente do casarão.

Ela levantou da estreita cadeira e a carregou de volta para a escrivaninha e voltou para fechar a janela, ela caminhou pelo pequeno escritório, olhando para a estante em frente a antiga mesa do falecido marido e saiu da sala, o corredor mal iluminado a fazia lembrar de escuro e curto cabelo do escritor, bem como de seus olhos, que contrastava a pele branca daquele que vivia dentro do casarão vitoriano.

–Como descreveria isso, querido? Um longo e estreito corredor, assombrado pelas trevas que lutam contra a fraca luz do sol oculto pelas grossas nuvens de chuva?– Indagou a voz aguda e cansada da viúva.

"Minha amada Margo, foi por isso que eu me apaixonei por você, seu pessimismo consegue tornar uma cena bela dessas em algo triste, não vê que a fraca luz luta contra as trevas do interior da nossa casa? Veja bem, a luz, mesmo fraca, consegue iluminar o corredor para que possamos caminhar sem termos medo, é por isso que eu ensinarei nossos filhos a verem as coisas boas, para que assim você também comece a ver as coisas de maneira positiva já que estará em minoria". A voz grave e alegre do escritor era nítida na lembrança da ruiva.

–Eu estou em maioria, Steve, posso descrever as cenas da minha maneira– Margo riu e colocou a mão sobre a barriga. –Não como se eu pudesse influenciar nossos filhos não-nascidos.

"A culpa é minha, querida, eu não cuido da minha saúde desde que completei treze anos, mas não se preocupe que teremos crianças correndo pela casa, só não as tenha com outro homem, por favor, eu não quero te perder".

–Sempre tão inseguro, como se algum homem conseguisse ser melhor do que você, querido, enquanto eles me traziam flores e presentes e palavras repetidas, meu miúdo escritor enchia duas folhas apenas para elogiar minha aparência com comparações– A viúva começou a descer a escadaria lentamente.

"Estamos na escadaria, Margo, sabe o que significa? Podemos criar nossa própria cena romântica, mas você é mais alta do que eu, então terei que ficar um degrau acima, e não me olhe assim, eu não estou envergonhado, é que... eu gostaria de ser mais alto que você, sabe o quanto os outros homens do escritório zombam de mim".

–O que faltava em altura sobrava em personalidade, meu amor, e em insegurança também– Margo foi até a sala, à esquerda da escadaria.

Os sofás escuros e as estantes repletas de livros ocupavam boa parte do recinto de paredes brancas, a lareira limpa ficava em frente à janela com uma grossa cortina entreaberta, a mulher sentou em um dos sofás e observou o vento balançar o tecido escuro da cortina.

"Algum dia, sentaremos aqui, tomaremos chá e comeremos doces comprados na padaria da outra rua, terei meus livros sendo lidos por milhares de pessoas e te falarei que será sua vez de escrever, usarei meu nome famoso para que no futuro as pessoas descubram que todos os romances que elas amam foram escritos por você e que eu apenas escrevi as histórias fantasiosas, o que acha? Seremos ricos e nossos filhos não precisarão casar por dinheiro, poderão casar por amor como nós".

–Ainda posso fazer as duas primeiras coisas, o escritório tem sido generoso com o dinheiro e ainda dizem que nunca terão um escritor tão bom quanto você, mas acredito que seja só para me adular, eu sei que os jovens escritores superarão os velhos em algum momento, mas os velhos sempre serão lembrados por serem aqueles que criaram as primeiras histórias– Margo começou a chorar, apertando os próprios braços por não ter alguém para abraçá-la.

Queria te abraçar, minha amada, mas aposto que Deus tem coisas mais importante para fazer do que me conceder a oportunidade de te tocar– Steve, com seu terno marrom e sapatos escuros, tentava inutilmente segurar a mão da esposa, que não podia ouvi-lo, vê-lo e nem senti-lo.

Trilogia Fantasmic (Contos) {Segunda postagem}Onde histórias criam vida. Descubra agora