I

198 12 7
                                    


   Vi sempre gostou de estrelas.

   Costumava contá-las e observá-las quando estava com Powder.

   Era engraçado como, em tão pouco tempo, tanta coisa mudara.

   Mas Violet não queria pensar em nada do que tinha acontecido — pelo menos, não quando estava a terminar de tomar banho da banheira da enforcer com que tinha trabalhado.

   Respirou fundo, tentando manter a calma.

   Naquela luta de valores e ciúmes, quase perdera Caitlyn.

   Vi definitivamente não queria pensar nisso.

   Desligou a água, na esperança de que os seus maus pensamentos fossem embora com ela e, assim que tinha uma roupa decente, decidiu sair do cómodo para procurar a companheira.

   Foi encontrá-la deitada na cama onde, mais cedo, tinham trocado confidências. Vi não conseguiu conter um sorriso.

   — Hey.

   Caitlyn assustou-se quando ouviu uma voz atrás de si, reparando no cansaço que ela denunciava. Olhou para trás e encarou a companheira, que entretanto já se tinha sentado na cama.

   — Hey, Vi. Como te sentes?

   Era apenas uma pergunta simples, mas ambas tinham noção de que a resposta só podia ser negativa. Ainda assim, Vi conseguiu assentir com a cabeça.

    — Seguir em frente, não é? — Disse ela. — Tenho de aprender a viver com o facto de que a minha irmã mudou.

   — Todos nós mudamos, numa certa altura das nossas vidas. O pior, penso, será remediar os estragos que ela fez no Conselho. Ainda não acredito que Medarda quase morreu por causa dela.

   Vi deitou-se na cama, encarando o teto do quarto.

   — Eu gosto de estrelas — começou. — Alguma vez te contei isso?

   Caityn negou.

   — Era um dos meus passatempos preferidos. A Powder e eu, nós... — Parou um pouco. — Não havia muito para ver, lá em Zaun. Mas nós contentávamo-nos com o que tínhamos. A estrela preferida dela... não sei o nome, mas um dia hei-de mostrar-te.

   O silêncio reinou.

   Nenhuma das duas sabia o que fazer ou dizer.

   — Eu achei que te tinha perdido — murmurou a de cabelo rosa, passado algum tempo.

   Caitlyn, também deitada, olhou para a amiga para perceber tanto alívio quanto mágoa, dor e tristeza nos olhos dela. Era engraçado como um simples olhar podia transmitir tantas sensações. 

   — Estou aqui, agora.

   — É — murmurou Vi. — Mesmo a gente sendo óleo e água.

   Caitlyn desviou o olhar. Pensar no que tinha sentido quando ouvira Vi a dizer "óleo e água" magoava-a mais do que qualquer tortura que Jinx lhe pudesse fazer.

   Às vezes, as maiores dores vêm daqueles em que confiamos.

   — Desculpa por isso — Vi, mais uma vez. — Eu não... uh, eu...

   — Tudo bem — interrompeu a agente.

   E tudo o que Violet pôde fazer foi suspirar. Sabia que havia errado ao afastar Caitlyn de si. Sabia que não queria afastar Caitlyn de si.

   — Será que vou ser capaz, alguma vez, de te compensar por isso?

   — Vi... eu quase morri.

   Um arrepio no corpo da jovem de cabelo rosa.

   — Lamento imenso. Eu só...

   — Mas tu estavas lá — voltou a interromper Caitlyn. — Tu estavas lá. Claro que me teria desenrascado sem ti. Sou uma ótima atiradora. Mas talvez tivesse perdido alguém. Não sei se gostaria de ficar com o fardo de ter matado alguém. Não ainda.

   Vi riu.

   — Não sei se estarias preparada para matar alguém, cupcake.

   — Desculpa?

   — Matar alguém. Não por capricho, mas por necessidade, sabes? Quando a tua própria sobrevivência depende disso. Quando... quando a sobrevivência daqueles que tu gostas... a sobrevivência que tu não conseguiste assegurar, porque não estavas preparada para matar, e depois só fica tudo...

   Fechou os olhos de súbito e calou-se.

   Caitlyn percebeu.

   Aproximou-se do corpo da companheira e tocou-lhe de leve no rosto. Vi abriu os olhos, com a respiração mais calma.

   A enforcer soube que era o seu momento de falar.

   — Vi. Vi, olha para mim — pediu, como se a menina de cabelos rosados ousasse desviar o olhar. — Eu não posso... realmente não posso dizer-te que vai ficar tudo bem. Muito provavelmente, não vai. Não consigo trazer de volta as pessoas que perdeste. Lamento-as, sim. Tu sabes, no entanto, e melhor do que eu, que elas não vão voltar. Elas não vão voltar, Violet. Mas tu não tens de lidar com isso sozinha — Caitlyn ofereceu um sorriso tímido. — Por muito, muito tempo, eu pensei que conhecia o mundo. Depois, conheci-te. E mostraste-me o verdadeiro mundo. Não sei como te agradecer. Não posso. Com o verdadeiro mundo, mostraste-me o quanto sofreste. O quanto os habitantes de Zaun sofreram. E eu não posso mudar o passado. Não posso... trazer de volta quem perdeste.

   Caitlyn parou para deixar Vi assimilar tudo o que tinha sido dito. Aproveitou para, de uma forma nada discreta, observar a forma descoordenada como os lábios da companheira se mexiam. Vi procurava uma resposta no meio do oceano de dor que a atormentava. A enforcer decidiu prosseguir.

   — Realmente, não sei o que me espera. O que nos espera. Posso garantir-te, no entanto, uma coisa — e fez questão de observar o fundo da alma da rosada. — Eu vou estar aqui. Eu sei que sofreste. Mas ainda falta muito para terminar. Assim, pergunto-te, Vi: permites-me acompanhar-te na longa jornada que te espera?

   E o silêncio, de novo.

   De repente, é ouvido um barulho. Vi começa a rir. Uma coisa leve, no início, apenas uma risadinha que se torna uma gargalhada com o passar dos segundos.

    — Só tu, para fazeres uma pergunta assim...

    A azulada oferece-lhe um sorriso um pouco envergonhado, como que a pedir desculpa.

   Vi dá um sorriso de canto, visivelmente mais feliz, e responde:

   — Lutar ao teu lado seria um prazer, cupcake.

Estrelas - ARCANEOnde histórias criam vida. Descubra agora