Capítulo I

26 6 1
                                    

Estou segurando uma caixa com três Donnuts nela enquanto caminho ao lado de Thea. Dois são de cobertura de chocolate com confetes de chocolate e o outro é de morango, com confetes de estrelas coloridas. Obviamente o mais escandaloso é o meu. É uma tradição, toda sexta-feira passamos na única confeitaria da cidade cujo nome não consigo pronunciar - é em francês - e compramos os mesmos três Donnuts, um meu,um dela e o outro nós dividimos, ela sempre fica com uma parte maior dele já que eu não curto muito chocolate. Assim que saímos da confeitaria caminhamos até além da ponte Grumam para sentar em baixo de um freixo no topo de uma pequena colina que há ali, ficamos lá até anoitecer lendo juntas, ou falando das outras pessoas. Porém, hoje essa rotina se quebra depois de três anos assim que avistamos um Chevette prata parado meio torto do lado direito da ponte. Imediatamente um calafrio sobre pela minha espinha e sinto meus braços pinicarem e coçarem bem em cima das tatuagens novas, meu estômago da um nó e sinto uma vontade absurda de vomitar e sair correndo. Mas não faço isso. Diminuo os passos e puxo o braço de Thea.

— Olha, não é o carro do senhor Collins? – aponto com o queixo para o carro. Thea cerra os olhos para enxergar e faz um cara confusa.

— É sim, por quê está parado desse jeito? - curiosa como é ela já começa a ir até lá, tenho vontade de esgana-la por não querer apenas passar reto. – Será que ele está passando mal?

Nos aproximamos juntas do carro, novamente sinto vontade de correr para longe como se o carro fosse criar vida própria e tentar nos matar.

— Não me parece que tem alguém dentro. – constato o óbvio.

— Será que roubaram? – ela pergunta e eu faço uma cara de descrença.

— Roubo em Corbin? E um Chevette caindo aos pedaços? Acho difícil.

Corbin é uma cidade tão sem graça que não me surpreenderia se um dia alguma cidade vizinha ficasse surpresa por ela existir.

Enquanto Thea inspeciona o interior da lata velha, eu olho ao redor em busca de algum sinal do Sr. Collins, nada, nem sequer o cheiro pungente de cigarro e colônia barata dele. Ela olha todos os lados de dentro pelas janelas, depois se vira para mim e abre os braços.

— Só tem um relógio quebrado aqui dentro e as chaves.

— Estranho. – murmuro baixinho. Pelo canto do olho alguma coisa prende minha atenção na barra de proteção da ponte. Olho direito e há um tecido vermelho rasgado enroscado em um arame saindo do concreto. Outra vez sinto que não devo chegar perto, mas eu me aproximo da beirada mesmo assim, cautelosa. Olho bem o tecido de perto, é só um retalho mas me parece familiar. Chego mais perto para ver se encontro mais restos do pano e olho para o rio lá embaixo, ele está revolto, choveu ontem e a água está com uma cor feia, além do nível ter subido um pouco, o suficiente para quase encobrir as pedras. Porém há alguma coisa na água além de pedras. Cerro os olhos tentando enxergar melhor, e é ai que sufoco um grito e meu sangue vira gelo.

— Thea.

O pavor e choque é tão evidente na minha voz que Thea em menos de um segundo já está ao meu lado, encarando o rio lá embaixo, os olhos arregalados e a boca aberta. Nossas expressões gêmeas

— Mas que porra. – ela diz, antes de sumir do meu lado e ir correndo para o final da ponte. Tento impedi-la mas ela é rápida, logo já está usando as pedras ao lado a ponte como escadas para descer até lá embaixo, eu obviamente vou atrás, mesmo não querendo. Consigo alcança-la depois de quase escorregar pelas pedras e quando vou me colocar ao seu lado ela dispara a correr novamente. Prevendo o que ela vai fazer tento puxa-la mas é tarde demais, ela se atira no rio.

— Thea! – grito, mas sei que ela não consegue me ouvir com o barulho da correnteza. Eu olho para ela e para os lados desesperada sem saber o que fazer. — Thea, volte! Vamos ligar para a polícia! – grito novamente, em vão. Não quero entrar na água, odeio rios, odeio correntezas, mas não posso ficar parada aqui vendo Thea se arriscar tanto. Penso em ligar para a polícia, mas ela pode se afogar nesse tempo.

— Merda. – respirando fundo tiro meu casaco e o jogo no chão, e então lá estou eu dentro do rio.

A água está gelada, sinto uma dor esquisita na nuca e meus braços pareçam feitos de gelatina, mas mesmo assim me forço a nadar até ela. Thea está tendo dificuldades para voltar para mim, ela está se segurando em algumas pedras com uma mão enquanto a correnteza bate contra seu peito.

— Já estou chegando! Aguenta ai.

Bato os braços com mais força e alcanço uma pedra próxima a ela, me agarro nela com toda a força e vou de pedra em pedra até estar colada a Thea.

— Você ficou maluca? O rio está um caos! – grito em meio ao barulho.

— Eu tinha que fazer alguma coisa Ally. – ela grita de volta, decido deixar o sermão de lado por hora.

A ajudo a voltar para a beira, durante todo o caminho o rio quase nos leva, mas aguentamos firme. Finalmente engatinhamos em terra firme e ficamos um tempo ali cuspindo agua e começando a tremer com o frio. Porém meus tremores e os dela não são apenas de frio, principalmente quando olhamos para o que está no meio de nós. Afinal, acabamos de tirar o corpo morto do Sr. Collins da água.

Fate of ChaosOnde histórias criam vida. Descubra agora