Prólogo

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Eu odeio o Papai Noel.

Eu odeio o Papai Noel.

Eu odeio o Papai Noel.

Flávia odiava o Natal, mas odiava principalmente o homem de roupa vermelha e barba branca que nunca atendia seus pedidos. Ela não conseguia entender! Sabia que não era a menina mais boazinha da turma, mas também sabia que não era pior do que Stephanie, que havia cortado o cabelo de Mariana quando ela se recusou a emprestar-lhe sua caneta roxa com glitter, então porque as cartas de Stephanie eram atendidas e as dela não?! A menina estava cansada de ser ignorada pelo suposto bom velhinho que claramente tinha a caixa de correio seletiva. No ano passado, a professora havia sentado todas as crianças em um círculo e passado a tarefa: deveriam escrever uma carta para o Papai Noel e então, seus desejos se realizariam.

O desejo de Flávia foi o único que não se realizou.

Quando ela tinha oito anos, já havia aceitado o fato de que jamais seria atendida. Sua madrasta, Odete, havia deixado isso muito claro quando, em uma noite após o jantar, acabou espiando o conteúdo da carta de Flávia. Todo ano ela fazia o mesmo pedido: Querido Papai Noel, eu só queria que minha mãe voltasse para me buscar e me levasse pra longe dessa casa. Quando leu aquilo, a esposa de seu pai soltou uma risada anasalada e amassou o papel, cuidadosamente escolhido para tão nobre mensagem, jogando-o no lixo, junto dos restos de comida do jantar e dos anúncios antigos do supermercado.

Flávia não conseguiu encontrar forças para se importar. Sentia que estava mandando cartas que nunca eram lidas e se não eram lidas, porque não parar de tentar ser a boazinha e colocar o que realmente estava pensando no papel? Foi pensando nisso que, quando tocou o sinal indicando o horário do recreio, no dia seguinte, Flávia permaneceu na sala de aula, com o caderno aberto e uma caneta vermelha que havia pego emprestada de Mariana (sem que ela soubesse, mas ela não iria se importar, não é?), e então começou a escrever aquela que seria sua última carta para o velhinho de roupa vermelha que sempre parecia ser tão bondoso no comercial de seu refrigerante favorito:

Papai Noel,

Não vou usar mais o querido, pois não merece esse título! Meu nome é Flávia, mas acho que já deve saber disso, não é? Ou talvez não, já que aparentemente TODAS as minhas cartas foram perdidas no caminho até o Polo Norte. É realmente muito longe da Tijuca. Eu já tenho oito anos, mas sei escrever desde que tinha seis, então já faz bastante tempo. Todos os anos eu só tenho um pedido: que minha mãe volte para me levar embora com ela. Me diz, Papai Noel, será que eu sou tão ruim assim que nem a minha mãe me quis?! A mãe do Thiago quis ele e ele é insuportável! E mesmo que eu seja, é sua OBRIGAÇÃO atender os pedidos das crianças? Estou errada?!

Você deveria ser demitido! É isso que penso! Ou pelo menos contratar mais alguns ajudantes para ajudar a entregar os presentes, ao invés de só deixar os duendes presos nas suas fábricas de brinquedos. Meu pai tem uma padaria e os pedidos não chegam nem perto do número de pedidos que você recebe e adivinha só? ELE TEM AJUDANTES. Eu mesma ajudo quando saio do colégio. Sou muito boa em enrolar brigadeiros (mesmo que eu coma uns escondida de vez em quando). Sei lá, Papai Noel, eu só queria saber porque eu sou a ÚNICA criança que não tem mãe na minha turma. Tem até algumas que não tem pai, mas TODAS tem mãe, menos eu.

Estou escrevendo esta carta só para avisar que nunca mais vou escrever pra você! Espero que caia de cima do seu trenó e pare de brincar com os corações das crianças!

Flávia Santana



COMO PREENCHER CORAÇÕES VAZIOS (E ESCAPAR DO NATAL) // Um conto FLAGUI de NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora