Capítulo único

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- Você quer me beijar?

- Quê?

O relógio pousado no criado mudo marcavam duas da manhã exatas em um vermelho brilhante enquanto Stan ainda esfregava os olhos com as costas da mão. Demorou um pouco para identificar a voz a quem atendeu, e a processar o facto de que o seu melhor amigo havia lhe questionado se queria o beijar.

Um ruído de impacto contra os cobertores foi audível da outra linha e o Marsh conseguiu imaginar o ruivo se levantando da cama, dobrando os lençóis nervosamente, sempre organizado.

- Sei lá, você disse hoje que a Wendy era uma má beijadora e eu queria.. testar? Não sei. Sabe que mais, esquece, apenas volte a dormir, boa noite.. - Nenhuma explicação útil foi dada antes da chamada terminar por parte de Kyle.

E, por mais que Stanley quisesse ficar especado na cama, encarando o tecto escuro, tentando se lembrar se jamais mencionou o batom lilás líquido da ex namorada, haviam dúvidas pra ser esclarecidas.

Plenas duas da madrugada e lá estava ele, retribuindo a chamada do amigo, dessa vez com o tronco levantado. A ausência do som irritante do "chamando.." o alarmou que havia sido atendido, no entanto, um silêncio se instalou.

- Então.. Quer explicar melhor?

Um suspiro incomodado foi largado pelo Broflovski, e Stan pensou que estava demasiado exausto para a situação. Levou um braço ao peito, como se estivessem cruzados, com exceção no outro braço, que segurava o celular junto ao ouvido do adolescente.

- Olha, eu.. - Hesitou. Nunca havia visto Kyle relutante antes. Sempre fora uma pessoa direta e instantânea. - Eu ando tendo pensamentos.. Estranhos, ultimamente, e eu apenas queria os testar pra ver se finalmente desaparecem.

Pensamentos?

- Que tipo de pensamentos? - Acidentalmente perguntou, se arrependendo por ser tão descuidado com a sua boca incontrolável.

- Você sabe, de.. beijar? E. Err. Dar as mãos, abraçar.. Ficar junto romanticamente. - Esclareceu, adicionando depois, como se lesse a mente do amigo: - Com você. Eu tô tendo esses pensamentos exclusivamente com você.

Não sabia exatamente como reagir á declaração, mas o seu primeiro instinto foi arregalar os olhos, com o rosto avermelhado, mesmo no breu.

De qualquer maneira, Stan se sentiu estranhamente bem com a afirmação. Como se os seus desejos tivessem saído diretamente da pessoa que mais desejava.. Oh, céus, estaria gostando de Kyle?!

- Stan? - Chamou, e, não obtendo resposta, continuou - Me encontra em frente do Starks Pond agora.

E, então, o encarnado preencheu a sua tela, e, consequentemente, as suas maçãs.

Imaginou Kyle com a feição igualmente rubra. Com os seus cabelos ruivos bagunçados, os seus olhos esmeralda que cintilavam com paixão, e a sua pressa em se arrumar para encontrar Stan..

Ah, sim, encontrar Stan!

Dessa vez, foi o Marsh que abanou a cabeça, afastando os pensamentos rapidamente, se levantando, determinado.

Se arrumou á velocidade da luz, vestindo o que se deparou primeiro. Chegou a quase esquecer as suas botas negras, e riu ao pensar na sua figura indo para fora apenas calçado das suas meias brancas e finas.

Logo após, saiu sem fazer o mínimo ruído, como habitual nos dias - não tão raros - em que escapava diante da noite estrelada com cautela.

Se consideraria um perito no assunto, mas se lembrou na arte de Kenny McCormick ao sair pela sua janela quebrada ao som do silêncio total, não tocando em um pedaço de vidro sequer.

Não demorou muito até que Stan pisasse na área do Starks Pond, onde a bela paisagem eram iluminada pela lua amarelada e as estrelas emitidas no céu, com as árvores com longos troncos complementavam e as águas congeladas pousadas no chão, rodeadas da brancura da neve, tendo apenas um banco enterrado nos grãos não tão finos.

Como esperado, uma presença assentada no banco de madeira foi avistada perante o nevoeiro de South Park por Stan, que se aproximou descontraidamente, mas nervosamente por dentro. Não estava preparado, nem mentalmente, nem espiritualmente, principalmente não fisicamente, pelo que não havia nem escovado os dentes ou sequer arrumado o penteado.

Se enfiou ao lado de Kyle, minimamente longe no banco.

- Oi.

- Oi.

Os grilos eram a única melodia, espalhados pelos arbustos esverdeados em sua volta, cantando suavemente pela noite a fora.

- Então, é.. Você.. Quer me beijar? - Repetiu a fala inicial do amigo, aquela que lhe deu borboletas no estômago desde que ouviu a tal palavra íntima.

- Eu.. Quero.

Enquanto Stan desviava o olhar envergonhado, repetidamente questionando o sentido da sua vida e do porquê ter sequer atendido uma chamada ás duas da manhã sem nem ter verificado quem lhe ligava, Kyle o encarava intensamente. Mais especificamente, os lábios rosados do amigo. Não tão finos, mas ainda delicados, num tom rosa claro. Sentiu uma enorme vontade de os umedecer.

- E você, quer? - Perguntou, inseguro ao observar as orbes do amigo alterarem do lago ao céu a, por instantes, o seu rosto.

Stan não respondeu por momentos. Com a expressão ansiosa, analisava o azul escuro do lago em sua frente, calmamente se movimentando por ordem da ventania tranquila.

Finalmente, acenou positivamente com a cabeça. Kyle demorou para processar o movimento quieto do amigo, mas logo entendeu.

Após um pequeno surto mental, causado por variadas razões: um, era recíproco, dois, nunca beijou na sua vida, três.. surpreendentemente, não existia três, mas Kyle estava prestes a inventar.

Se debateu dos pensamentos, e se focou no semblante do amigo. Delicadamente, pousou os dedos na parte inferior do seu queixo. Com a mínima força, articulou para que o olhar fosse retribuído, assim fazendo com que fosse impossível Stan desviar o olhar.

Mas ele também não queria.

Lentamente, foram se aproximando. Cada vez mais próximos, mais íntimos, menos distância, mais ansiedade, mais desejo, menos medo, mais medo, menos..

A distância entre os amigos desapareceu por completo quando Stan teve a iniciativa de selar os seus lábios em um ósculo leve, enroscando os seus lábios suaves com os do seu melhor amigo.

A mão antes pousada no queixo se movimentou até á sua nuca, e Kyle aprofundou o beijo, ainda incrédulo. Nunca, em sã consciência, beijaria o seu melhor amigo. Mas era isso que Stan lhe causava, Stan fazia Kyle perder todos os sentidos no mesmo instante, fazia Kyle perder a sua sã e perfeita consciência.

Ainda tímidos, não se aventuraram a enfiar a língua abruptamente na boca alheia, mas sim se encorajaram a manter o beijo por um minuto inteiro, se separando, ofegantes.

Entre inspiros e expiros e suspiros, Stan gargalhou.

- O que foi? - O ruivo se atreveu a duvidar.

- Nada não, eu apenas.. Os seus lábios são bem melhores do que os da Wendy, sabia?

Stan se repreendeu por o ter dito em plena voz alta, mas Kyle achou fofo o seu rosto vulnerável, não resistindo e despejando um selinho na sua boca.

- Você tinha me dito isso, lá na festa. - Afirmou.

Stan, confuso, encarou o amigo enquanto este se levantava, ajeitando o seu casaco e cabelos.

Foi então que se lembrou: a festa de Token, duas da manhã, quarto de hóspedes, um simples beijo partilhado que o fez beber mais que nunca.

- Oh.. Oh!!! - Exclamou, mas Kyle já estava longe demais para observar o seu desespero, e o máximo que o Marsh pôde fazer foi surtar enquanto a figura do ruivo se dissipava por entre a névoa.

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