Capítulo 2

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A incrível sensação de ter um ginásio cheio gritando o hino do seu time, o sentimento de subir em um pódio e receber uma medalha de ouro ao som do hino do seu país, ser o MVP de um campeonato... tudo isso eu não vivi. Como fisioterapeuta esportiva em atividade por quase seis anos — considerando minhas atuações como estagiária —, meu trabalho estava mais para o serviço dos ratos que arrumam o vestido da Cinderela para ela conseguir chegar ao baile deslumbrante e conquistar seu príncipe com seu sapato de cristal. Tinha sua grande importância. Eu remendava músculos distendidos, passava horas e horas consertando tornozelos, joelhos, ombros e mais uma série de partes do corpo que em anos, eu tive o prazer de devolvê-los novinhos em folha. Se algum dia eu duvidei da minha capacidade como fisioterapeuta, agora, formada, com especialização na área do esporte e em traumatologia, sendo uma das melhores profissionais do ramo dentro do Brasil, atuando no Sada Cruzeiro, o campeão mundial, morando sozinha e dirigindo minha própria vida, nem consigo me lembrar. A Mel Moraes de hoje é infinitamente mais forte, decidida e madura de outrora, percebo isso, por exemplo, agora, dando uma entrevista para um canal esportivo sobre um dos meus pais pacientes mais recentes: Allan Souza. Ele não jogava no Cruzeiro, mas quando recebi a ligação de direta de Matheus, fisioterapeuta da seleção, me pedindo para integrar a equipe que cuidaria da reabilitação do seu pé direito, não pestanejei em ajudar. Ele era um bom jogador, que desde a aposentadoria de Wallace, era essencial para a seleção que um dia eu já trabalhei.

— Muito se fala sobre a convocação do Alan, Melina. Alguns opinam que ele não deveria ser convocado, outros que ele precisa de ritmo na seleção. Você que trabalhou com ele, qual sua opinião sobre essa situação? Renan Dal Zotto fez bem em convocá-lo?

Sorrio, cruzando minhas pernas. Se eu não conhecesse tão bem a jornalista que me entrevistava, diria que ela estava torcendo para eu tecer comentários negativos para Renan, mas eu não faria. Ele podia até ter decisões questionáveis, mas eu nunca desrespeitaria sua posição na frente da grande mídia.

— Eu fui uma das fisioterapeutas do Alan no seu período de recuperação. Conheço o caso, acompanhei de perto a evolução do quadro dele e sei que se tratando do seu pé direito, o Alan está bem. Agora falando da sua convocação, — mudei o tom, deixando minha voz mais decidida — não possuo metade do conhecimento do Renan e confio na sua escolha. Alan é um jogador diferenciado e no que depender de mim, está liberado para jogar seguindo algumas cautelas, claro, e se ele precisar, estarei a sua disposição. Isso é o importante — digo, brincando.

Juliana, a jornalista, me passa um sorriso em resposta e pula para a próxima pergunta. Não costumo dar entrevistas, na realidade, nós, fisioterapeutas, não trabalhamos nessa parte, mas desde o programa de embarque feminino nas comissões técnicas de vôlei, promovido pela CBV, entrevistas faziam parte do meu trabalho agora. O Cruzeiro era um dos poucos times a contratarem mulheres para a sua CT e dar espaço um time com essa iniciativa, servia como atrativo para os outros times, principalmente os masculinos.

— Agora vamos olhar mais para o futuro, Mel. Você tem aparecido bastante nas redes do Cruzeiro, tem reabilitado bastante jogadores importantes para o Brasil a pedido do Matheus, fisioterapeuta da seleção... Pode acontecer de você integrar a equipe médica da Seleção Masculina de Vôlei futuramente?

A minha bile alcança a garganta quando ouço a menção a voltar a equipe da SMV, então sorrio mais vez, e tento não transparecer que todo meu corpo está inteiramente enrijecido.

Seis anos foram capazes para tornar uma excelente fisioterapeuta, uma mulher muito mais forte, mas não foi suficiente para me fazer esquecer todas coisas que eu vivi quando era apenas uma estagiária da Seleção Masculino de Vôlei. Além de aprender muito e tolerar as idiotices de Otávio — que hoje trabalhava em um time francês, bem longe de mim —, eu me apaixonei. Eu dezessete dias eu vivi sentimentos que nem todos os anos possíveis seriam capaz de extinguir. E fiz tudo isso sozinha. Fui o segredinho sujo, a diversão de olimpíada do Bruno e fui deixada sozinha um dia antes do dia dos meus sonhos. Eu o vi ganhar as olimpíadas e nem sequer me olhar, eu o vi ganhar o mundo enquanto eu colocava com muito força em minha cabeça que isso tinha acabado definitivamente. Foram meses até o inferno cessar.

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⏰ Última atualização: Dec 27, 2022 ⏰

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