Uma pessoa qualquer

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Faz não sei quanto tempo que estamos confinados do mundo lá fora, para falar a verdade, desde antes do meu nascimento, Eles dizem que o mundo lá fora acabou, que caiu em desgraça, em ruínas, é difícil saber qual o conceito de ruína e desgraça para Eles, já que não me sinto no privilégio de uma boa vida aqui dentro, a nossa cidade sim poderia ser um conceito de ruína, Eles controlam tudo e todos.

Até as cores foram privadas de nós, como sei disso? Hoje em dia elas são expostas em seus museus de "aberrações" do mundo antigo, as únicas cores que usamos são preto, branco e cinza, a cor vermelha pode ser vista de vez em quando, quando algum ruivo nasce, e ainda sim o vermelho de seus cabelos também chegam a ser apagados.

Mas e o céu e as plantas? Chego a dizer que até o nosso céu é cinza, e nossas plantas murchas, me faz lembrar de um conto de milênios atrás, Alice no país das maravilhas, não há relatos escritos sobre esse conto, não mais, apenas conheço um exemplar no museu das aberrações, mas a história é passada de boca em boca, e eu garanto que Eles parecem a rainha de copas, mas em vez de pintar as rosas de vermelho, eles pintam de cinza.

A verdade é que não sei no que acreditar, lá fora é tão ruim quanto Eles dizem ser? Aqui é o melhor lugar para se estar? É o lugar mais seguro? Seguro para quem?

A chuva começa a cair, e por imprudência minha, esqueci o guarda chuva, não estou com pressa para ir a lugar algum, parar no bendito museu é a opção mais sensata a se fazer, e ao menos lá eu posso ver as cores, mesmo que elas estejam sendo profanadas por palavras de ódio e negação

Não há como saber o que realmente há lá fora, a redoma em volta da cidade nos impede de encarar a realidade do exterior, então tudo que nos resta é acreditar do que Eles falam, eu particularmente não gosto de acreditar em tudo que Eles dizem, muitas das vezes Eles parecem falsos, um dos motivos é o fato de dizerem coisas tão horríveis sobre as cores, como pode uma cor ser tão ruim assim? O que de tão mal elas poderiam fazer? Bom, isso nenhum cidadão dessa cidade sabe, apenas concordam com o que lhes é dito, sem questionamentos, acho que eles tem medo do que poderia ser o terrível mal lá de fora que nunca vimos

Algo muito estranho sobre a redoma em volta da cidade é que ela apareceu um dia, simplesmente assim, bom, isso é que dizem, não ouve explicação aparente para o que aconteceu, e até hoje não se sabe que forças ou quem criou essa nossa "prisão particular", bom, esse é o termo que eu uso e acredito, muitas pessoas que eu conheço me dizem para ficar grata pela proteção que Eles nos dão, que não devemos discordar e apenas agradecer, mas para a infelicidade dos meus pais, não sou alguém que costuma agradecer sem motivo. Enquanto não houver explicação para o que eu devo ser grata por Eles, não devo nada.

Andando pelos corredores do museu, esculturas, pinturas, fotografias, tudo junto em um único lugar, cada uma com sua descrição particular, em uma delas estava a foto de um campo florido composto por várias cores, e na legenda se encontrava, "flores venenosas: essas flores podem corromper tudo em que acreditam, uma espécime traiçoeira que trás desarmonia de pensamentos para quem chegar perto. Campo de flores banido da cidade e queimado a pouco menos de 1000 anos" tudo que vejo na imagem é um belíssimo campo de flores, como algo assim pode ser uma ameaça?

Ao olhar para mais fundo do corredor do museu consigo notar uma confusão de pessoas, todas reunidas parecendo olhar para uma única direção, não posso mentir, também tenho tamanha curiosidade a ponto de me aproximar

Mesmo chegando mais perto há muitas pessoas na frente, não é possível ver o que elas tanto admiram, mas com um pouco mais de esforço eu empurro algumas pessoas para o lado, passando entre aquele emaranhado de gente e finalmente consigo ver o que tanto chama atenção

- Venham! Venham ver o horror dessas pinturas! - Um homem, provavelmente um funcionário do museu, proclama sobre as obras na parede, franzindo o cenho eu penso o que tem de tão horripilante nessas obras - Olhem como a cor azul é usada para instigar o mal! Até as tintas deste quadro são tóxicas!

"Então por que não estão cobertas se são Tóxicas? E o que tem demais na cor azul?" Levantando meu olhar, que se encontrava um pouco baixo, tenho a surpresa de vários olhos voltados para mim, eu disse isso em voz alta? Acho que não foi uma boa ideia ter vindo no museu.

- Como disse? - O tom ameaçador do homem e os olhares das pessoas não seria algo que eu poderia descrever como acolhedor, ele chegou a dar alguns passos para frente em minha direção, isso, enquanto eu recuava para sair logo do lugar.

Eu não poderia saber o que aconteceria depois já que um barulho do lado de fora da cidade ecoou, um som grave, como grandes portões de pedra se locomovendo, as pessoas no museu começaram a ficar assustadas e muitas estavam correndo para fora para ver o que estava causando aquele barulho, a cidade sempre tinha sido silenciosa, nunca tinha escutado um barulho tão alto, de uma coisa eu estava certa, aquilo significava uma grande mudança, até por que nenhum silêncio se interrompe sem que algo mude.

Até os quaisquer mudam o mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora