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Realmente, meu caro compatriota, fico-lhe muito grato por sua curiosidade. No entanto, minha história nada tem de extraordinário. Saiba, já que tem tanto interesse nisso, que pensei um pouco naquele riso, durante alguns dias, e depois o esqueci. De vez em quando, parecia-me ouvi-lo, em algum lugar dentro de mim. Mas, durante a maior parte do tempo, eu pensava sem esforço em outras coisas.

Devo reconhecer, no entanto, que não pus mais os pés no cais de Paris. Quando passava por lá de automóvel ou de ônibus, fazia-se dentro de mim uma espécie de silêncio. Acho que esperava. Mas atravessava o Sena, nada sucedia, e então eu respirava. Tive também, nessa época, alguns problemas de saúde. Nada de preciso, um abatimento, pode-se chamar assim, uma espécie de dificuldade de encontrar meu bom humor. Fui a médicos, que me receitaram tônicos reconstituintes. Melhorava, e depois recaía. A vida tornava-se menos fácil: quando o corpo está triste, o coração perde as forças. Parecia-me desaprender em parte o que nunca havia aprendido e que, no entanto, sabia tão bem, isto é, viver. Sim, acho que tudo começou mesmo nessa ocasião.

Mas também esta noite eu não me sinto em forma. Tenho até dificuldade com o estilo de minhas frases. Falo com menos brilho, parece-me, e minha expressão é menos segura. Provavelmente o tempo. Respira-se mal, o ar está tão carregado que oprime o peito. Veria algum inconveniente, meu caro compatriota, em sairmos pra dar uma caminhada pela cidade? Obrigado.

Como os canais são belos, à noite! Gosto do cheiro de mofo que as águas exalam, do odor das folhas que se decompõem no canal e do cheiro fúnebre que sobe das barcaças carregadas de flores. Não, não, este gosto nada tem de mórbido, acredite. Pelo contrário, no meu caso, é uma coisa intencional. A verdade é que eu me obrigo a admirar estes canais. O que mais amo no mundo é a Sicília, veja bem, e sobretudo do topo do Etna, em plena luz do dia, sob a condição de dominar a ilha e o mar. Java, também, mas na época dos ventos alísios. Sim, estive lá, quando jovem. De maneira geral, gosto de todas as ilhas. É mais fácil imperar por lá.

Deliciosa casa, não acha? As duas cabeças que vê lá são de escravos negros. Uma insígnia. A casa pertencia a um traficante de escravos. Ah! Não se escondia o jogo, naqueles tempos. Tinha-se audácia, dizia-se: "Aí está, faço tráfico de escravos, vendo carne negra." Já imaginou alguém, hoje em dia, trazendo ao conhecimento público que é este o seu trabalho? Que escândalo! Parece que estou ouvindo meus confrades parisienses. Como são irredutíveis nessa questão, não hesitariam em lançar dois ou três manifestos, talvez até mais! Pensando bem, eu juntaria minha assinatura às deles. A escravatura, ah, isso não, nós somos contra! Que se seja obrigado a instalá-la em sua casa ou nas fábricas, bom, é a ordem natural das coisas, mas vangloriar-se disso é o cúmulo.

Bem sei que não se pode deixar de dominar ou de ser servido. Todo homem tem necessidade de escravos, como de ar puro. Mandar corresponde a respirar, não tem a mesma opinião? E até os mais desfavorecidos conseguem respirar. O último da escala social ainda tem o cônjuge ou o filho. Quando é solteiro, um cão. O essencial, em resumo, é uma pessoa poder zangar-se, sem que alguém tenha o direito de responder. "Não se responde ao pai", conhece a fórmula? Em certo sentido, ela é singular. A quem se responderia neste mundo, senão a quem se ama? Por outro lado, ela é convincente. É preciso que alguém tenha a última palavra. Senão, a toda razão pode opor-se uma outra: nunca mais se acabaria. A força, pelo contrário, resolve tudo. Levou tempo, mas conseguimos compreender isso. Por exemplo, deve ter notado, a nossa velha Europa filósofa, enfim, da melhor maneira. Já não dizemos, como nos tempos ingênuos: "Eu penso assim. Quais são suas objeções?" Tornamo-nos lúcidos. Substituímos o diálogo pelo comunicado. "Esta é a verdade", dizemos. "Podem até discuti-la, isso não nos interessa. Mas, dentro de alguns anos, lá estará a polícia para lhes mostrar que tem razão."

Ah! Querido planeta! Tudo agora é claro aqui. Conhecemo-nos. Sabemos do que somos capazes. Vejamos: eu, para mudar de exemplo, talvez de assunto, sempre desejei ser servido com um sorriso. Se a empregada tinha um ar triste, envenenava-me os dias, embora ela tivesse todo o direito de não estar alegre, sem dúvida. Mas eu dizia a mim mesmo que era melhor para ela fazer o serviço sorrindo que chorando. Na realidade, isso era muito melhor para mim. No entanto, sem ser glorioso, meu raciocínio não era totalmente idiota. Da mesma forma, negava-me sempre a comer nos restaurantes chineses. Por quê? Porque os asiáticos, quando se calam, e diante dos brancos, têm sempre um ar de desprezo. Naturalmente, eles conservam este ar enquanto servem! Como saborear, então, o frango laqueado? Como, sobretudo, ao vê-los, pensar que se tem razão?

A Queda (1956)Onde histórias criam vida. Descubra agora