🔞 Capítulo único.

2.2K 113 95
                                    


A semana pré-reveillon parecia durar uma eternidade. As brigas, os sumiços, as desorganizações, os clientes exaustivos, tudo parecia explodir e testar o réu primário do advogado. 

Eram poucas as coisas que permitiam ele relaxar nos últimos tempos. A principal delas era Heloísa. Mesmo exercendo o papel de furacão na vida de Stênio, por vezes, ela se permitia ser uma brisa suave, dessas que sopram no rosto da gente, lembrando que a vida é sim muito gostosa de se viver.

Desde que foi resgatado do sequestro, Stênio notou uma mudança na delegada. Ainda que brava, ríspida, teimosa, ela estava muito mais entregue aos sentimentos dele. Até que enfim, ele pensava. Não precisava mais chegar ao ponto de quase perder a própria vida para poderem aproveitar cada segundo que tinham a sós. 

Todas as vezes que ficavam sozinhos entre quatro paredes, ela era outra. Não havia insegurança que superasse o amor que ele declarava, com tanta firmeza, sentir por ela. Todos os dias. Até naqueles em que ela o expulsava, logo depois de beijá-lo com voracidade.

Mas hoje, nem pensar nas recaídas com a ex-mulher estava ajudando o advogado a enfrentar o dia. Eram quase oito horas da noite quando chegou em casa, estressado. Sentia uma raiva tão grande daquela rotina. 

Só na parte da manhã, precisou explicar quatro vezes ao novo estagiário do escritório como se arquivava um processo simples. Na hora do almoço, perdeu cinquenta minutos no telefone tentando convencer Moretti a não ir brigar com a Guida na casa da tia Cotinha. Na parte da tarde, cinco clientes diferentes apareceram no escritório, porque não queriam deixar virar o ano sem resolver conflitos que estavam entalados na garganta.

Por fim, às seis horas da tarde, quando achou que teria paz, Moretti apareceu de surpresa, enchendo o seu saco por mais uma hora. Não havia amizade no mundo que perdurasse após esse caso. Moretti era muito mais do que um homem ambicioso com temperamento difícil, ele era um criminoso capaz de perder a empatia até do mais caridoso carioca existente na Barra da Tijuca. 

Era engraçado, compartilhava boas histórias da juventude com o Stênio, mas definitivamente não era o amigo com quem queria manter contato quando tudo se resolvesse.

Quando finalmente chegou em casa e entrou no apartamento, Stênio sentia sua cabeça arder em estresse. Era isso que tinha se tornado a vida? Quando não estava estressado, estava solitário, triste. Quando não estava nenhuma dessas duas coisas, estava se encarando no espelho, percebendo as marcas de idade que iam surgindo ao longo dos meses. Definitivamente, essa não era a vida cativante que tinha desejado para si.

Como qualquer hábito, cheio de passos repetitivos, mecanizados, involuntários, o advogado colocou a sua mala e as chaves do escritório no aparador. Olhou em volta e sentiu o vazio do apartamento. Foi direto nas suas bebidas. Pegou o seu uísque favorito, que já estava quase no fim. Quando levantou o copo da mesinha, respirou fundo. Não, Stênio. Hoje não. 

Colocou tudo de volta em seu lugar e correu até seu quarto. Voltou com uma roupa levinha, decidido a treinar, independente da hora que apontava o relógio. Essa era a forma que iria extravasar o que estava sentindo: queimando, suando, gritando.

E assim foi malhando, aumentando pesos, pedalando, sofrendo. Toda vez que pensava na situação que estava sua vida, dobrava o exercício. Essa merda vai passar, nem que seja na raiva.

De repente, o barulho da campainha o despertou das repetições. Estranhou. Olhou o relógio: eram nove e meia da noite. Ah não, puta que pariu, que não seja você de novo, Moretti. 

Levantou da bicicleta, pegou a toalha pendurada no guidão, passou na testa suada e seguiu em direção à porta. Fechou os olhos, implorando pela própria paciência antes de abrir e descobrir quem estava ali.

Águas em prosódiaOnde histórias criam vida. Descubra agora