Memórias.

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Ainda naquela noite, lembro-me que parei de escrever assim que minha mãe me chamou para reclamar sobre o arroz.

- Jhennyffer, tava fazendo o que pra esse arroz queimar desse jeito? - Disse com um olhar que só mãe tem.

"Não preparei uma desculpa
pra isso, droga." Pensei.

- Nadinha. - Respondi.

Ficou me olhando por uns instantes, estava com medo de revirar meu pescoço de frente pras costas, mas ela só revirou os olhos mesmo e seguiu a vida.

Guardei meu diário na estante, o toco do lápis no estojo, peguei uma banana, preparei meu prato, sentei e fui comendo.

Assim que terminei de comer, lavei as louças. Fui banhar, e em seguida, dorm...

"Banhei duas vezes hoje, sou sebosa
ou apenas econômica?"

"Se a água viva morre, ela se chama água morta viva, água morta ou só água?"

Enfim, fui dormir assim que as dúvidas aleatórias que só surgem pela madrugada acabaram. No dia seguinte, acordei já animada pra continuar escrevendo.

Mas antes, ouço um "tindom" da campainha.

"Aff, quem será uma
hora dessas?"

Vejo pelas câmeras, era minha prima Adriane, abro a porta.

- Mãe, chama a dedetizadora, que tem uma praga na nossa porta. - Falo alto.

- Palhaça. - Diz ela me abraçando em seguida.

Adriane é a segunda filha da minha tia Ney, quase anêmica e com uma testa enorme, não mudou nada.

Quando éramos pirralhas, vivia caçoando dela, "testa de amolar facão" era um dos seus apelidos, ainda é. Nesse dia, ela estava usando maquiagem, tão natural como a luz do flash.

- Você está bem crescida e diferente. - Fala ela, mechendo em meu cabelo.

- diferente?

- Sim, está até abraçando as pessoas. - Sorri.

Ainda conversando, entramos em casa.

- Te abracei porque faz tempo que não nos vemos, vai que vc esteja rica.

- oh, ainda recebo 1.600. - Diz, coçando a cabeça.

- credo, (des)abraça.

- Pelo visto, continua engraçadinha. - Sorri.


Minha mãe desce as escadas e a cumprimenta, juntas vão direto para a cozinha. Vou rápido até a estante, pego o diário e um lápis. Me acomodo numa cadeira, e...

- O que você tá fazendo? - Responde a testa de amolar facão.

- Pensei que já tinha ido embora. - Digo ainda olhando para o diário.

- Estou pensando em ficar uns dias... Então, o que está escrevendo?

- Minha vida. - Respondo.

- E você tem uma? - Sorri.

Ficamos por um momento se encarando, ela sorrindo me deu uma vontade de rir também, que ódio.

"Eu no mesmo teto que essa aí,
não vai prestar."

- Vem cá, tá pensando em ficar quanto tem por aqui? - Pergunto.

- Acho que minha tia não vai se incomodar quanto a isso. - fala com aquela cara de deboche.

- Eu me incomodo, pobreza me dá alergia.

- Fala logo, o que tá escrevendo aí? - Quase gritando.


Abro o diário, e vejo que parei em...

- Relembrando o passado... - Digo baixo.

- Sério? Eu quero ouvir o que escreveu. - Disse, arregalando os olhos.

Ela tira a mochila das costas e se senta, apoia a cabeça no braço esquerdo e me observa, esperando eu começar.

- É sério? Pergunto já sabendo a resposta.

Ela balança a cabeça confirmando.

"Mas que vaca."

- Então tá bom... - confirmo.

Olho para o diário novamente, uso o dedo indicador pra não me perder na leitura, e começo a ler.

"Bom, tirando o fato de ter caído de bunda num pé de ortigas quando menorzinha, minha infância foi estranhamente normal, foca nesse estranhamente."

- Você caiu num pé de ortigas? - Pergunta sorrindo.

Ela pega uma garrafa de dentro da mochila e se arruma direito na cadeira.

- Posso continuar ou tá difícil?

- Pode sim. - Diz, com a garrafa na boca.

Volto ao diário e encontro a parte de onde parei. Limpo a garganta e retorno a ler.

"Eu brincava adoidado na rua com uma penca de guri, com o cabelo desarrumado e descalça, sem nenhuma preocupação de adquirir leptospirose."

"Não sabia bem o que era isso, então não me importava na época. Jogava bola como ninguém, mas quando perdia, me danava pra chorar."

"Ela está calada,
será que..."

Meu pensamento é Interrompido. Ela fala e já reviro os olhos.

- Realmente tá contando tudo com riqueza de detalhes, mas você vai falar sobre aquele dia que você se cag...

Prossigo com a leitura, antes mesmo de terminar de falar.

"E como os pirralhos não aguentavam, me botavam no jogo de novo, eu meio que comecei a usar isso como tática pra continuar na brincadeira. Tá vendo? Eu já não prestava desde gurizinha."

Fecho o diário com o lápis dentro e volto o meu olhar para Adriane.

- Acabou? Pergunta ela.

- Não totalmente, ainda vou escrever mais coisas.

- Incrível, achei bem engraçado essas partes iniciais. - Expressa sua opinião.

- E eu sou uma piada pra você?

- Você é uma comédia. - Bota a mão no meu ombro, enquanto sorri.

Minha mãe quebra o diálogo quando nos chama para tomar café, grito meu irmão Leo que estava no andar de cima, e vou em direção a cozinha.

- O que estavam lendo? Minha mãe pergunta.

- Nada demais. - Respondo, com um sorriso no rosto.

Olho para Adriane, que em seguida, me vê e sorri também.

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⏰ Última atualização: Jan 10, 2023 ⏰

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