O Reencontro com a Realidade

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Tudo voou e lentamente emergiu, a felicidade que não sentia há muito tempo finalmente reapareceu. Todas as preocupações desapareceram, deixando para trás o medo e a tristeza que o assombravam. A sua mente tornou-se clara, concentrada, quase como se estivesse a operar na sua capacidade máxima. Começa a pensar no passado, tentando lembrar-se de cada detalhe. As memórias regressam a inundar. Lembra do nascimento do seu filho, da forma que ele era feliz. Os sentimentos paternos que sentiu durante a gravidez, igualmente agora. As vezes que iam juntos às compras de roupa de bebê, como ela sorria mostrando a seu esposo. 


Como ela cheirava bem, a sua pele suave e macia contra a dele. Sorria carinhosamente recordando o quanto sentia falta de estar com ela e seu filho. Tudo se vai ao vê-lo se tornar em um corpo decomposto de um feto na qual jamais conheceu ou viu, o corpo se inflamava, junto aos órgãos que tornavam-se expostos. O vômito sobe com as lágrimas quando levanta de sua alucinação. Sente-se fraco, tonto, desorientado. Cai ao chão, incapaz de se mover, mal respira. Tenta levantar-se, mas novamente.

De manhã acorda com uma terrível dor de cabeça, a sala gira em sua volta. - Preciso mais dessas pedras - Pensa enquanto tenta apanhar a seringa da mesa. Ele falha, desmorona.


Ouve um barulho lá fora, seguido de passos que se aproximam da sua residência. Não sabe dizer quem é. Tem medo, mas nada pode fazer. Está deitado no chão, à espera que a pessoa entre. Consegue ouvir o som das chaves na fechadura, quem tem as chaves? A porta abre-se e alguém entra na casa. Não consegue ver nada, mas ouve a voz do intruso.


- Querido, o que aconteceu? - Reconhece a voz, levanta-se com forças do seu profundo subconsciente. Com os olhos lacrimejantes, abraça a mulher, mas não há nada nos seus braços, assim como sempre foi nos últimos anos, e despenca aos prantos. Consegue erguer-se de novo, tentando chegar à cozinha, onde estão as pedras. Primeiramente abre o armário, e vê as seringas, as que ele próprio usa para se injetar. Agarra uma delas, mas esta parte-se nas suas mãos. Grita, o seu corpo a tremer violentamente. Cai de novo no chão, a mulher corre para o seu lado. Agora olha para o rosto dela, e percebe que é sua esposa. Pede-lhe que o ajude, mas não consegue falar, a sua boca está presa.


A sua visão torna-se desfocada, ficando inconsciente quase que de imediato. A sua mente ainda está cheia de imagens do que se tinha passado, já não se consegue controlar. O seu coração bate mais rápido e o corpo treme incontrolavelmente. As suas mãos entram em terremoto de alta escala, sente que está a enlouquecer. A sua mente está enevoada com imagens das mortes, está sobrecarregado com a dor e o sofrimento que tinha suportado. Começa a gritar, a gritar no topo dos seus pulmões, a chorar e a gritar, até que a sua garganta esteja dolorida.

O mundo torna-se negro, e está tudo acabado.


 - Alexandre... - A voz da sua mulher tira-o do seu transe, embora não entenda o que lhe fala. Está num estado de confusão, incapaz de compreender a realidade e diferenciá-la da ilusão. Um novo mundo revela-se a ele, formações rochosas em diferentes aspectos, nos quais estranha por suas formas, algumas em elipse, outras não haviam como identificar com sua mente incrédula e incapaz de compreender o que enxergava. O tempo e espaço eram apenas abstratos onde se encontrava.


- Alexandre... - Ouve novamente. Tenta responder, mas tem dificuldade em formar palavras com a língua partida e os lábios inchados.

- Vamos, querido. Sou eu, Carolina. - A doce voz fala.


Sente algo dentro dele que não compreende. É algo poderoso que abana o seu corpo e o faz sentir-se desconfortável. Algo que não é ele, algo que se sente como um parasita em sua própria carne. Mas este sentimento não é de todo assustador; sente-se calmo, sereno, e pacífico. Como se tudo estivesse bem, como se nada tivesse acontecido, tudo tinha sido esquecido. Sente como se esta sensação tivesse sempre existido dentro dele. Só estava escondida até agora, escondida com todas as outras coisas que lhe perturbavam a mente.


- Ainda não está tudo acabado, preciso que fique vivo. É minha única chance de conseguir me comunicar com você através desse plano. - Explica com grande clareza.


Olha para a bela dama com curiosidade, perguntando-se como conseguiu sobreviver ao fogo que lhe tinha custado a vida e todas as suas memórias. Parece uma eternidade desde então, mas agora sabe que isto tem sido apenas algumas horas. O tempo perdeu o seu significado, não consegue contar quantos minutos passaram, apenas se sente confortável aqui, neste novo lugar.



Este lugar com que sempre sonhou, embora nunca tivesse imaginado-o. Sente-se seguro aqui, sente-se à vontade. Sente-se como se nada tivesse acontecido. Como se sempre estivesse pertencido aqui. Como se sempre tivesse sabido que estava ali. - Volte à realidade, não estarei mais aqui. - É a última coisa que ouve sair dos lindos lábios antes de acordar, novamente, ao chão de sua casa.

A Escuridão da DesilusãoOnde histórias criam vida. Descubra agora