Levanta-se lentamente, tentando recordar o que aconteceu, sente-se fraco, mas consegue ficar de pé. Caminha para lavar o rosto e escovar os dentes. Toma um banho, a água parece perfurar sua pele, não consegue limpar-se completamente. Deita-se na cama, mas não consegue dormir. Pensa na sua mulher, no seu filho, nos seus amigos, mas são apenas alucinações. Ele chora pela sua vida perdida. Ele chora pelo seu filho. As lágrimas fluem sem parar, tem chorado tanto, mas não lhe resta fluídos em seu corpo. Chora há dias. Somente lágrimas secas e soluços incessantes. Sua alma permanece oca. Não há nada, apenas vazio, sozinho na sua casa, rodeado de escuridão e silêncio. Tem medo de morrer, do que o cerca.
A força restante é usada para repetir os passos anteriores. Encarando-se no sujo espelho, vislumbra vários sentimentos, sendo eles o medo e desespero. A vastidão permanece aos olhos, evidenciando sinais de exaustão, mal consegue caminhar, entretanto, consegue voltar a seus aposentos. Deitado no colchão, olha para o teto por alguns momentos, observa o espaço escuro acima. Chora novamente, tão alto como se não o fizesse há anos. As lágrimas derramam-se, encharcando a almofada. Continua a chorar até que dorme tranquilamente durante um curto período de tempo, acordando para sofrer silenciosamente em seus sonhos.
Não crê nos acontecimentos que havia vivido. A sua cabeça latejava dolorosamente, o peito doía, seu estômago estava revirado, pensando, por um momento, que talvez devesse tomar alguns comprimidos, mas decidiu o contrário. Necessitava seguir em frente, o que significava as aparições de sua esposa? Se usasse novamente as drogas, morreria, sabia disso.
Dando chance a uma caminhada para pacificar-se, vai ao mercado em busca de alimento, vê-se paranóico diante de todos, não confiava em ninguém. A vontade de consumir mais daquelas pedras era imensurável. Para onde quer que olhasse, a via.
Compra cerca de 6 pacotes de miojo e uma cerveja, vai até o balcão para pagar seus alimentos. A bela mulher, que se espantosamente se assemelhava à sua esposa, era a atendente, no entanto, prefere ignorar tal fato. Ele paga e sai da loja, andando sem rumo. Passa por várias pessoas na rua, mas não lhes presta atenção, está ocupado com a sua mente vazia. Depara-se com o mesmo lugar que sempre traz suas lembranças mais sombrias à tona, o infeliz "templo" de tormenta. Entra no edifício sem prestar qualquer interesse particular, apenas a curiosidade coçando sua mente.
No interior, encontra o santuário, o altar é decorado com velas e flores, há incenso a arder seus olhos por todo o lado, deve ocorrer um tipo de evento hoje. Sobre um painel de vidro, uma imagem do nascimento, morte e ascensão de Cristo eram ilustrados juntamente a outras figuras, tais como a última ceia, chamavam a sua atenção. Sentou-se calmamente ao canto, em uma das cadeiras que ficava ao lado do caminho entre a porta e o palco, observando a passagem dos adoradores, cada um dos quais pareciam ter algum tipo de inquietação em suas expressões.
Passado algum tempo, ouviu alguém chamar seu nome, virou-se para a direção da voz, mas ninguém encontrava. Levantou confuso, mas logo se viu a olhar para um quadro pendurado ao lado esquerdo da igreja. No quadro, Jesus Cristo apareceu-lhe na sua forma mais sagrada. A atenção volta-se ao homem sentado ao seu lado, parecia familiar. Não sabia como, mas algo lhe falava que já tinha conhecido este homem algures antes.
- Senhor, poderia se sentar? A missa irá começar - A voz veio de trás, vira-se para ver o padre de pé à sua frente. - Sim, Padre. Perdão. -
- Parece perturbado. Há alguma coisa que eu possa fazer? - Perguntou amavelmente.
- Não, obrigado. Eu estou bem. - Responde, na esperança de partir rapidamente. No entanto, acaba por ser impedido.
- Bem, porque não rezamos juntos? - Sugere o velho homem, na qual segurava um livro revestido por couro puro.
Concorda relutantemente, rezando por pura obrigação.
O começo da cerimônia deu-se por alguns sermões e citações de algumas passagens bíblicas. Agora, o 'sangue' e 'corpo de Cristo' estava por ser entregue, o vinho e a hóstia por alimentá-los. - Meu filho Alexandre, repudia a todos seus pecados? - Dizia o homem enquanto segurava um cálice na mão direita e um objeto, assemelhando-se a um disco, na esquerda. Suas marcas no rosto entregava suas exaustivas noites na igreja, o estresse cotidiano tentando fazer o seu melhor, acreditava-se na genuína bondade do idoso. - Sim - Respondeu quase que gaguejando, sem entender o que se passava.
- Repudia os atos a favor de satanás, reeivindicando seu lugar a Deus?
- O que significa, Padre? -
- Significa que receberá o perdão e a salvação de Deus. Ao tomar estes sacramentos, tornar-se-eis participante do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. - Explicou. - É importante que compreendais o que está a acontecer aqui hoje. Estes sacramentos destinam-se a perdoar-nos os nossos pecados, e a conceder vida eterna àqueles que participam. Está pronto a aceitar este dom da graça?
- Sim - Sua voz é predominantemente monótona.
- Pois ajoelha-te e extenda seu braço direito. - O velho padre instrui-o. - Agora, pegue a hóstia. Alimente-se. - A enrugada mão dá-lhe a hóstia com a mão direita, e o cálice, contendo o sangue de Cristo, com a esquerda. Ao concluir o que há de ser instruído, seu redor passa-se a não existir a um piscar de olhos. Nada existia novamente. Tudo voltou a tornar-se nulo.
Uma luz brilhante envolveu-o, sentiu como se estivesse a flutuar no ar. Todos os seus sentidos se intensificaram, podia ouvir claramente todos os sons e ruídos. A sensação era indescritível. Estava consciente de tudo à sua volta, mesmo quando fechava os olhos, abri-los de novo não fazia qualquer diferença. Os sons permaneciam os mesmos, fazendo-o perceber que isto era real e verdadeiro. O seu corpo começou a vibrar intensamente, como se houvesse enlouquecido, mas esta era a verdade.
A imagem de seu medo personificava-se aos seus olhos. Sua esposa rodeada ao fogo em um lindo campo de centeio. O negro e infinito vazio tomava o lugar.
O rosto da sua mãe, cheio de tristeza. O corpo do seu pai, sem vida, num chão de pedra fria. As suas mãos tremiam violentamente, mas o seu coração ainda estava calmo e composto. Já não sabia para onde olhar, porque todos estes rostos o assombravam ao mesmo tempo. Eles repetiam-se sem parar, atormentando-o. - Precisa... - Ouve-se um sussurro intenso dos centeios. - Me ache, posso trazer toda a sua vida de volta, Alexandre. Sou eu. - Ouvia a doce mulher dizer-lhe.
- Estou indo, Carolina... -
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Escuridão da Desilusão
HorrorCom um passado conturbado, se vê preso em um ciclo de autodestruição. O seu estilo de vida o leva a mergulhar em um pesadelo incessante.